terça-feira, 30 de setembro de 2008

Mais uma pedra

(a sexta)

O jardim de pedras japonês.

Histórias do Verão III

Este Verão fui pela primeira vez ao Andanças. Fui só no último fim-de-semana - nada de abusos ou doses profissionais não fosse o meu metabolismo não aguentar - porque nisto dos festivais começava a perecer-me que estava a entrar numa espécie de pré-reforma.

O meu amor por dançar já vem de muito longe. Mesmo assim, só este ano venci o preconceito de ir a São Pedro do Sul. Desiludido com o Sudoeste massificado, com um Paredes de Coura desinspirado, com o Vilar de Mouros já morto (imagino que ter deixado de haver festival não impede os festivaleiros da velha guarda de continuaram a ir - acampam e montam um rádio com leitor de Mp3 e tá feito o festival, que vive é das pessoas - era o que eu faria, mas eu não sou da velha guarda - não me sinto velho nem tenho nada para guardar), com um Super Bock Super Rock que é um evento de propaganda (acho que para o ano se vai chamar só Super-Bock-Feira-da-Cerveja para realçar o que interessa) e porque o Oeiras Alive! é em Lisboa e a graça do Verão é acampar, lá fui eu com o Bruno para o Andanças. Os dois pela primeira vez.

Admito que a verdade é que nunca lá tinha ido - entre outras razões - por medo dessas criaturas perigosas: os friques. Tinha medo que me obrigassem a usar túnicas, ou que fosse preciso ter rastas para poder entrar. Ou que não houvessem casas de banho, ou até que à entrada fizessem algum tipo de teste ou charada para tirar a limpo se eu era frique ou estava disfarçado - um teste tipo obrigarem-me a fazer um ritmo no djembé com os pés - e que eu não fosse capaz e tivesse de voltar para Lisboa.

Não só vim a descobrir que não fazem nenhuma destas coisas, como que, de todos os festivais de Verão a que já fui no nosso Portugal, este é o melhor. Isso mesmo, o melhor. O que tem menos friques, o mais repousante, aquele em que vi menos drogas, o mais higiénico e aquele em em que vi mais pessoas bonitas e aquele em que me diverti mais. Incrível não é? Todos estes anos enganado.

Estávamos lá há um dia e, na manhã de Sábado, porque ainda era muito cedo para dançar, eu, o Bruno e duas amigas nossas (uma delas completamente nova, outra um feliz reencontro daqueles que me faz amar portugal - uma colega minha da escola primária, dois anos mais nova que eu e que nestes praí catorze anos que estive sem a ver se tornou numa bela e adorável pessoa) fomos andar. Queríamos descobrir as famosas cachoeiras de São Pedro do Sul.

Atravessámos uma pequena e linda floresta e chegámos. O silêncio da Natureza. O repouso da água a escorrer, em misteriosas correntezas que se perdiam entre as pedras e árvores e outras plantas. A cachoeirinha estava vazia àquela hora, com uma exceção. Uma elegante moça, de pele morena, de bikini, completamente nua da cintura para cima que, estendida numa toalha numa rocha no alto da cachoeira, nos olhava como uma deusa marinha. Como pareceu tolerar a nossa presença, mergulhámos. Subimos as rochas. Vimos borboletas e pequenos insetos voadores, alguns azuis, outros vermelhos, nunca antes vistos. Molhádos de água doce vimos cabras a pastar à nossa volta. O cheio fantástico da erva e dos bosques. O quente do Sol no corpo. Inspirámos fundo o oxigénio em bruto que brota da terra. Ficámos felizes. Não há nada como a Natureza. E a moça sempre ali, a olhar para nós a fingir que não olhava e nós para ela.

Desejámos a Natureza e o nosso desejo foi concedido. Como se tivéssemos atravessado uma fronteira de um bosque encantado, a dado momento, começaram a chegar pessoas. Chegou um rapaz. Chegou uma rapariga. Tudo bem. A certa altura chegou um rapaz, magro e de cabelo comprido igualzinho a este, e banhou-se exatamente assim como esse se banha na fotografia. E aí sim, a cachoeira desaguou realmente na Natureza dele e fez os nossos calções de praia parecerem umas coisas rídiculas e tão sem graça como se fôssemos uns turistas - que éramos - que tendo oportunidade de provar a excecionalidade da Naturza, preferimos provar uma espécie de versão higeanizada de plástico, um MacDonalds da vida campestre. Uma monstruosidade quase tão aberrante como fazer sexo com preservativo. E a menina de peitos desnudos sempre a olhar a cena toda, lá do alto da sua cachoeira.

O rapaz nu da nossa história, que era uma espécie de Jesus Cristo que gostava de ter sido o Mogli, escalou a rocha como quem a farejava e foi sentar-se ao lado da nossa rapariga semi-nua, que consentiu, sorrindo enigmáticamente (de notar que o rapaz não se sentou na rocha sem antes limpar o assento com um ramo cheio de folhinhas que arrancou de um arbusto). O Sol brilhava e as borboletas pousavam nos ombros deles e nos nossos e toda a gente era feliz.

Enquanto isto se passava, estava eu a fingir que a cena não era nada de especial e a mostar as cabrinhas tão giras a pastar à minha colega da escola primária - tentando por segundos desviar o olhar de Adão e Eva - quando vindo não sei de onde salta de trás de um arbusto - literalmente de trás de um arbusto - uma espanhola completamente nua a passear dois cães que corriam soltos à volta dela (os Espanhóis têm este jeito caraterístico de entrar em cena). Logo saltou de trás de outro arbusto o seu par, um rapaz também nuzinho como ela que gritava Javíííí, javíííí ou outra espanholada qualquer. Enquanto eu e a minha amiga continuávamos a figir que aquilo não era nada de mais, na outra ponta, onde estava o Bruno e a nossa outra amiga, surge outro grupo, de pessoas loiras e nuas, que o Bruno mais tarde me disse que tinham formas muito interessantes. Já era tarde e deu-nos imensa vontade de ir dançar.

Escusado será dizer que, desde a primeira moça de peito moreno à última loira, tive vontade de me despir e nadar nu pelo lago e pela cachoeira. Não o fiz mas está para breve a iniciação ao nudismo. Mas escrevi isto tudo até aqui nem foi por isso. Foi porque, há duas horas atrás, estava no comboio a caminho de casa e, à minha frente estava sentada a rapariga desnuda da cachoeira.

Muito mais feia. Nem uma gota do brilho e tensão sexual que inspirava no cimo daquela cascata. Só feiura, e ainda por cima uma feiura banal. Ali, vestida com umas roupinhas da feira, roxas e com uns folhos nas alças, uns óculos de Sol grandes de mais para a forma da cabeça dela que lhe ficavam péssimos e umas calças pretas muito cafonas, em condições normais nem teria reparado nela. Sentei-me ali a pensar Já te vi praticamente nua a tomar banho numa nascente. Penso que ela não me reconheceu (afinal, havia outras coisas a chamar mais a atenção naquela manhã de Agosto). Saiu na Amadora. Quando se levantou para sair, como eu já estava com a atenção predisposta, aí sim, vi-a de costas e, na justeza das calças, era mais que possível intuir aquele corpo fulgurante que eu já tinha visto.

Acho que se andássemos todos nus, passariam a ser completamente outras as pessoas do nosso dia a dia que consideramos atraentes, bonitas ou sexys. Certas raparigas que parecem mais gordas vestidas que despidas (basta ir à praia com elas para saber) passariam a ser mais apreciadas, assim como as que não sabem escolher roupa. Por outro lado, as meninas sem sal mas com bom gosto ficariam a perder. Quanto nos engana, formata, tipifica e estereotipifica a roupa que usamos!

Assim não surpreende que aquela rapariga se tivesse despido naquela manhã de Verão. Ela sabe bem como é que o corpo dela fica melhor. Quem sabe, o que a leva a despir-se até é o desejo inconsciente de se ver livre das suas roupas horríveis. São as pessoas mais próximas da natureza, mais selvagens. O certo é que nunca mais vou voltar a olhar para uma rapariga muito mal vestida da mesma maneira.

No comboio mandei uma mensagem ao Bruno, que me diria que se acabara de cruzar com o meu professor de Forró, com quem estive no Andanças e que praticamente não vejo desde lá.

Apercebi-me o quanto estamos todos tão ligados. Invadimos os silêncios e entramos na cabeça uns dos outros pelas mensagens, já vimos nus os nossos vizinhos no comboio, vivemos todos nos mesmos lugares sem sabermos.

A vida é um sem fim de andanças cruzadas.

Ir a São Pedro do Sul no Verão pode ser como vislumbrar um bocadinho de um mapa qualquer do mundo do resto do ano.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O nosso mundo

Quando ficamos em casa sozinhos e trancados começamos a pensar que somos uma merda. Mas depois, quando saímos à rua e vemos como são as outras pessoas, ficamos bem mais otimistas.

Talvez isto seja a essência de muitas problemas modernos. Não só das depressões. Hoje em dia, com tantos mundos alternativos onde viver - sejam o mundo da publicidade com pessoas com corpos esculturais, seja a internet onde todas as relações são fingidas - as pessoas ficam desfasadas da realidade e começam a viver em função de um mundo que não existe. Assim tornam-se incapazes de interagir no mundo real, que não conhecem.

Enquanto não for possível viver só nos paraísos artificiais, vai ser sempre preciso sair à rua.

A solução de um problema está sempre contida nele próprio. Como numa equação matemática. A solução já lá está. É só resolvê-la. A solução para quem tem medo de sair de casa é sair de casa. Problema resolvido.

domingo, 28 de setembro de 2008

Histórias do Verão II

Este Verão estava na praia com uma amiga minha das antigas - como quase todas (uma amiga só pode ser antiga) - podemos chamar-lhe Catarina. Estávamos os dois mais uma amiga dela.

Era o fim daquela tarde e ainda estava muito calor. Já tínhamos dormido e acordado ao Sol, adormecido outra vez e voltado a acordar ao Sol. Rochas enormes davam-nos a sensação de segurança. Há muito tempo que estávamos em silêncio. Ouvíamos a cadência do mar. Talvez inspirado por só ouvir coisas bonitas durante umas horas, tive um tal sentimento de liberdade, que comecei a cantar o Hallelujah, do Leonard Cohen.

Estava a cantá-la numa versão mais próxima da do Jeff Buckley que, adolescentes nos anos 90, a Catarina e eu, inevitavelmente conhecemos primeiro que a original. Estava a cantar baixinho (que é o nível máximo do respeito que conheço) acompanhado pelas ondas.

De repente a Catarina disse o cantes isso, é uma música muito triste.
Triste?
Sim, é muito triste.

Desde esse dia que isto não me sai da cabeça. Não ponho em causa o que a faz sentir triste. Talvez eu cante mal. O que quer que seja, será um motivo válido só por ser dela. Mas, se o Hallelujah é triste, então o que é alegre? A resposta, como nos bons filmes, já tocava ao fundo mas só aí dei por ela. Estávamos em Sagres, onde nessa noite como na anterior, decorria o Super Bock Sagres Surf Fest. Ouvia-se Reagge por todo o lado naquela praia repleta de pessoas com rastas.

Eu gosto de reagge. E é verdade que o Reagge nos permite balançar o corpo de maneiras que o Hallelujah não permite. Mas nenhum reagge alguma vez me trouxe a felicidade que me trouxe - hoje de manhã outra vez - o Hallelujah, a tocar pela janela aberta que deixava entrar o Sol, ou como naquele fim de tarde, a olhar o mar.

São gostos, dirão. Claro que são gostos. Mas porque é que as pessoas estão a precisar de puxar a felicidade tão ao máximo para serem capazes de a sentir? É uma pena que as pessoas não tenham mais trabalho de aprender a ouvir. É que é isso que faz com que depois, tudo o que não seja imensamente festivo, soe triste. Andarão as pessoas mais tristes que nunca e a precisar de muita alegria injetada, ou, mais que isso, estão tristes porque já não sabem ver a alegria nas coisas a não ser que seja sublinhada a vermelho, recortada do resto, ampliada vezes mil até já não ser nada do que era? A não ser que não haja qualquer dúvida que uma coisa é para ser feliz?

Com a cultura de massas, a televisão, a internet, a rádio, tudo a tocar ao mesmo tempo, as pessoas sempre a falarem, tanto nas lojas como na escola, como no trabalho, uma palavra não tem mais o valor divino que lhe é natural. Tudo é fugaz. Deixamos de ter atenção às coisas porque as coisas vêm direcionadas por nós. Tudo vem com instruções, soluções e previamente interpretado, estilo batatas pré-fritas congeladas. Já não aprendemos a interpretar. como não aprendemos a cozinhar. Já não sabemos por a atenção nas coisas para ver onde está a essência. Se não soa alegre não é alegre. Não há tempo para prestar mais atenção. Somos a pior geração de detetives da história. Não admira que ande toda a gente à nora à procura das causas e dos sentidos de tudo. Não é o nosso mundo no século XX que está um caos, as nossas cabeças é que estão.


E agora a canção que tem na letra a resposta a todo o problema deste meu post. E haverá alguma felicidade mais absoluta que a de encontrar a Fé numa mulher?
Podemos dizer

Hallelujah

(Nos anos 80. Nos anos 90)

Now I've heard there was a secret chord
That David played, and it pleased the Lord
But you don't really care for music, do you?
It goes like this
The fourth, the fifth
The minor fall, the major lift
The baffled king composing Hallelujah
Hallelujah
Hallelujah
Hallelujah
Hallelujah

Your faith was strong but you needed proof
You saw her bathing on the roof
Her beauty and the moonlight overthrew you
She tied you
To a kitchen chair
She broke your throne, and she cut your hair
And from your lips she drew the Hallelujah

Baby I have been here before
I know this room, I've walked this floor
I used to live alone before I knew you.
I've seen your flag on the marble arch
Love is not a victory march
It's a cold and it's a broken Hallelujah

Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah

There was a time you let me know
What's really going on below
But now you never show it to me, do you?
And remember when I moved in you
The holy dove was moving too
And every breath we drew was Hallelujah

Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah

You say I took the name in vain
I don't even know the name
But if I did, well really, what's it to you?
There's a blaze of light
In every word
It doesn't matter which you heard
The holy or the broken Hallelujah

Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah

I did my best, it wasn't much
I couldn't feel, so I tried to touch
I've told the truth, I didn't come to fool you
And even though
It all went wrong
I'll stand before the Lord of Song
With nothing on my tongue but Hallelujah

Hallelujah, Hallelujah



Este post é dedicado à Catarina, que é das pessoas que conheço com melhor gosto musical. Esta versão é só para ela e talvez eu devesse ter tentado cantá-la assim. Eu sei que ela gosta. À anos 00. O erro foi meu, eu é que estou desatualizado, Catarina, desculpa.

Linhas tortas

Ás vezes é preciso fazer coisas más para se poder ter a vontade de as reparar e fazer coisas boas.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Partilhar a solidão

Há muitos blogues. Há muitos blogues porque há muitas pessoas que se sentem sozinhas. Os blogues ajudam-nas. Acalmam o sentimento e às vezes conseguem fazer com que não o sintamos. Mas assim não acabam com ele. Pelo contrário, permitem que se possa chegar ao sintoma seguinte: ainda mais solidão. E aí já se sente, com blogue e tudo.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Confissões Pop

A diferença entre sexy e bonito

A geração está em festa

Ontem foi um dia solarengo. Calmo e silencioso, dava a impressão de se ouvir o movimento do mar ao longe.

Era de tarde e era uma tarde como só em Lisboa pode haver. E eu estava a trabalhar, descansado.

Subitamente ouve-se ao longe um som grave indistinto. Não pára. Começa a aumentar de volume. Parecem explosões, gritos. As pessoas para quem trabalho, mais velhas que eu, olharam para mim assustados incapazes de achar explicação. Mas não ficaram muito tempo com essa expressão. Deu logo lugar a um sorriso condescendente quando lhes disse a explicação provável contemporânea para a algazarra. Devem ser as praxes.

E foi assim que fomos para a varanda ver desfilar a minha geração.

Umas centenas de pessoas, ora vestidos de capa e batina preta, ora de t-shirt branca com a cara pintada e os cabelos enfarinhados, seguravam com uma mão uma cerveja e com a outra um estandarte - como as legiões romanas fizeram outrora - em que estava escrito o nome do seu curso. Urravam. Gritavam as iniciais dos cursos com a energia com que gritariam gritos de guerra. Com um ar sério, os mais velhos tentavam coordenar esta multidão de hooligans com os cérebros temperados em álcool, que disfarçados de estudantes, marchavam não pela rua, mas pelo passeio.

A minha geração sente-se rebelde. Mas que rebeldia é esta que não ousa sair do passeio? Que pára na passadeira? Que avisa a polícia que vai manifestar-se e, pior, manifestar-se sobre nada? Que revolução de vida é essa em que do outro lado da rua as mães, amorosas, fotografam, num comovente esforço de registo da infância interminável dos filhos?

Estes pequenos rebeldes estavam bêbados demais para perceberem que estavam numa festa de aniversário enorme, em que eles, criançada, foram postos para correrem um bocado até se cansarem. É que os meninos, quando ficam grandes, requerem brincadeiras cada vez mais dispendiosas. O Estado paga, pois é preciso divertir estes meninos grandes. Que sorte a deles. Noutros regimes seriam mandados para a guerra. E é assim que em 2008 se gasta a energia que há. Não a melhorar o mundo ou na construção de algo para partilhar com os outros. Gasta-se inconsequentemente. Mas quem sou eu para julgar. Talvez o mundo já esteja tão perto da perfeição que nos possamos dar a estes luxos.

Os recém-licenciados queixam-se de não terem emprego. Se isto faz parte de se tornar licenciado, eu se tivesse uma empresa também não lhes dava emprego.

Nada disto me importava se eu não tivesse de partilhar o mundo com eles. E pensar que daqui a uns anos os filhos destas pessoas vão ser colegas dos meus filhos na escola.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

O Amor verdadeiro

O Amor verdadeiro parece inexplicável pela lógica. Sente-se que é uma coisa em que se acredita e que se sabe, numa espécie de sabedoria silenciosa e surda. Sente-se e não se sabe porquê, nem de onde vem, e que parece que sai de dentro do nosso peito e o quer fazer explodir de emoções. E quando surge, parece que sempre cá esteve e que faz parte de nós. É uma verdade. E é em tudo igual à Fé. É uma coisa que nos move para a vida e que nos puxa e agarra e indica o caminho. Mas que não sabemos o que é, e que há gente que diz que não existe. Provavelmente dizem-no porque nunca o sentiram.

Como diz um extremamente sábio amigo meu a que decido que vou chamar Rafael neste blogue, as pessoas só sentem a fé se aprenderem a exercitar o músculo da fé de pequeninas. Ao Rafael ninguém ensinou e por isso ele não consegue. Uma espécie de capacidade telepática que tem de ser aprendida como quando se aprende a andar ou a falar, na altura certa. Eu sou como ele. Nunca aprendi a fé, como muitas pessoas nos dias de hoje parecem também não ter aprendido, ao contrário de muitas outras. Mas percebo de onde vem, e percebo a sua força. Digamos que se me concentrar, até consigo imaginar como é senti-la. Sentir que a estou a sentir mesmo sabendo que não é a verdadeira. Não tenho os instrumentos humanos que preciso para chegar a deus.

Passa-se exatamente o mesmo com o Amor. Há muitas pessoas que não acreditam no amor. Provavelmente nunca o sentiram. Eu, como um bom e devoto praticante, tenho pena dessas pessoas. Eu acredito no Amor e sei que existe. Mas aprendi-o de pequenino, com um fabuloso primeiro amor. Coitados dos que não tiveram essa sorte.

Até à chegada do romantismo, a ideia de amor não existia. Possivelmente os sentimentos estavam lá, como uma espécie de patologia, mas não eram estimulados nem aprefeiçoados. Como diz Don Draper em MadMen: O Amor foi uma coisa que nós (os publicitários) inventámos para vender papel higiênico. Se estivesse eu à mesa com ele nessa cena e não aquela bela judia, ter-lhe-ia respondido A partir do momento que inventaram Don, eu passei a acreditar. A partir do momento em que o inventaram, passou a existir.

Já pensaram na quantidade de sentimentos fantásticos que podem estar escondidos dentro do nosso potencial humano e que ainda não descobrimos? Que aprendidos e treinados na idade certa se revelarão até à idade adulta, mas que em adulto são impossíveis de auto-estimular? Que maravilhas andarão escondidas! Telepatia? Capacidade de levitação? Quem sabe. Mas sobretudo interessa-me pensar Qual será o próximo sentimento a ser descoberto? Qual nos fará passar para uma nova era, tal como passámos da era da Fé para a era do Amor?

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Uma ida ao Lux

Fui o primeiro a chegar. A Madalena e a Marta vinham ter comigo mais tarde. Fui sozinho até à porta e, como rapaz galante que sou, entrei sem pagar.

A primeira vez que fui ao Lux foi com uma ex-namorada, que era grande fã do lugar e até era amiga de um porteiro. A segunda foi numa festa do meu curso. A terceira numa Pecha Kucha em que a Madalena ajudou à organização. Esta vez foi a quarta. Poucas vezes, para alguém que se alimenta das coisas da vida, que gosta da noite, da boemia, de dançar, de festas, de pessoas. Porque fui lá tão poucas vezes então?

Eu não sou sovina, mas tenho noção do valor do dinheiro. (Que eu saiba não sou descendente de judeus, mas curiosamente a maioria dos meus ídolos são - o Leonard Cohen, o Bob Dylan, o Billy Wilder, o Woody Allen, o Chico Buarque. Quem sabe sou descendente de Cristãos Novos. Essa ofensa que o Marquês de Pombal baniu com a punição de chicotadas nas costas para o povo, perda de bens para o clero e perda dos títulos para a nobreza. Tudo pela unificação da nação e do seu povo. Grande Marquês.).

Tenho noção do valor do dinheiro e julgo que 12 € de mínimo à entrada é muito para aquilo que a suposta melhor discoteca de Lisboa oferece.

Subi as escadas com as mãos nos bolsos e um cigarro imaginário na boca. Cheio de estilo portanto. Sentei-me com as pernas esticadas num daqueles sofás-cama que estão espalhados por todo o primeiro andar, que parecem ter sido comprados na feira da ladra e que além disso são desconfortáveis (o encosto é a grade de uma cama e as almofadas são uns rolos que não dão jeito para nada). Mas o meu estilo era tal que até os sofás-cama pareceram giros.

Um empregado veio ter comigo e perguntou-me o que queria tomar. Pedi um Martini com uma pedra de gelo. O Martini voltou com a conta. 6 Euros. Eu já sabia o preço porque da terceira vez que lá fora tinha perguntado e o choque da resposta tinha-me durado até àquela noite (e ainda não passou). Passei-lhe uma nota de 20 €. O rapaz responde-me não tem mais pequeno? É que não temos trocos.

Sem mecher a cabeça, levantei o olhar devagar e subtilmente para ele. Tive vontade de dizer Preços altos, notas altas, mas não disse. Disse-lhe Não.

Afinal tinham trocos. Quando chegou levantei-me. Fui passear pelo lugar. Vi coisas como dois empregados a arrastarem com os pés uma mesa baixa onde os clientes põem as bebidas e a subirem para cima dela com os pés para mudarem as lâmpadas de um candeeiro todo estiloso. Estiloso o candeeiro, mas não os modos deles. Tive também a oportunidade de reparar nos ténis sujos e feios de uma empregada, que ainda por cima usava umas rastas muito feias a cair pelas costas. Uma frique a servir no lux. O mundo está mudado pensei. Mas o toque final de charme ainda estava por vir. Entre as pessoas, tive a sorte de ver um segurança pegar numa das almofadas compridas e brincar com ela simulando um enorme falo que insistiu em abanar para cima e para baixo até me ver a olhar para ele o ter pousado.

A Marta e a Madalena chegaram e fomos dançar. Se a música não era muito o meu estilo, até era boa. O mesmo não se podia dizer dos dançarinos. A noite de Lisboa são crianças de 16 aos 18 anos - os únicos cujos pais podem pagar estas brincadeiras - e turistas ridículos que, bêbados, montam o seu próprio circo de aberrações no meio da pista.

Poder-se-ia pensar que eu dar importância a isto tudo faz de mim uma pessoa pretensiosa, elitista, um snob, o que se quiser chamar. Não penso assim. Há uns dias vi na televisão um documentário sobre uma organização de apoio humanitário em África, a AfriKids. Nele contaram uma história de uma senhora que, sozinha, toma conta de umas trinta crianças órfãs, financiada pela AfriKids. Nunca deixou morrer nenhuma, menos num dia, em que faltou o dinheiro para medicamentos. Nesse dia, ela correu toda a aldeia à procura de alguém que lhe pudesse dar o dinheiro e ninguém deu. Ninguém tinha. Juntou as poupanças, mas não chegavam. Tentou vender coisas mas não conseguiu juntar o dinheiro que era preciso. Os medicamentos que a criança precisava eram muito caros. Custavam cinco cêntimos de euro.

Pelo preço da vida de 240 crianças africanas, espero bom divertimento.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Uma frase que mudou a minha vida

O que caracteriza o homem imaturo é desejar morrer nobremente por uma causa, enquanto que o que caracteriza o homem maduro é desejar viver humildemente por ela

- Wilhelm Stekel

Sobre Sobre o Elogio ao trabalho

Ao fim de consideráveis dias a trabalhar com afinco, percebi que é muito duro trabalhar sem ter a tal pessoa para quem voltar ao fim do dia. Felizes os que têm. Mas isso toda a gente sabe. Trabalhar por amar, amar por trabalhar. Um alimenta o outro.

As certezas

É imprudente afirmar. É sábio propor. Penso que talvez seja certo pensar.

domingo, 21 de setembro de 2008

Sobre o elogio ao trabalho ou O Homenzinho Português

(ver posts anteriores)

Basta ser português para saber que a maior ambição de um português normal é trabalhar o menos possível (felizmente a nossa História é feita de muitos portugueses anormais, os melhores - mas isso é para outro post). Os estudos comprovam-no. Parece que no último semestre, a produtividade dos portugueses voltou a descer.

Diz um amigo meu de há muito tempo, com grande sabedoria - vamos chamar-lhe, para fins deste blogue, Roberto - que só em Portugal se ouve aquela frase fantástica Hoje tive o dia todo sem fazer nada! (seguida de um esfregar de mãos) como se isso significasse que se teve um dia fantástico. Sublime. Um dia invejado por todos. O dia perfeito. E o pior é que é realmente invejado. Fui para o Brasil, estive lá 12 dias na praia, sem fazer nada! Foram os melhores dias da minha vida ou então Epá, hoje quando chegar a casa, não vou fazer nada!, por exemplo, são normalmente seguidas de um coro que canta que sorte, quem me dera.

Os homens que dizem isto são homens pequenos e é exatamente por não trabalharem que o são.

Os homenzinhos portugueses não tem a coragem de sofrer trabalhando. É por isso que face à mais pequena contrariedade, o homenzinho português desiste, se desmotiva, entristece. É por isso que é capaz de sofrer com uma coisa como o Futebol. O homenzinho português não está treinado para sofrer. Pelo contrário. Desde petiz, o português é treinado por suas mães e seus pais a não trabalhar. Como é dura a vida, que faz com que tenhamos de trabalhar para sobreviver, pensa o português adulto, que já descobriu a verdade, e acrescenta Vou dar aos meus filhos a maior felicidade da vida enquanto podem tê-la, enquanto são pequeninos, pois não quero que sofram. E o que faz o homenzinho português? Dá tudo ao filho e cultiva a preguiça no seu rebento. Quando chegamos à adolescência, somos profissionais no descanso. E se dormir fosse modalidade olímpica, eramos uma potência.

A preguiça é a causa direta da nossa infelicidade crónica portuguesa. Nem estou a falar em trabalhar para melhorar a nossa situação económica, ou cultural, ou social. Isso é óbvio. Estou a falar de como é impossível que um homemzinho seja amado por uma mulher. Não, o homemzinho português tem de ser amado por uma Mulherzona. Alguém duvida que é por isso que tantas mulheres portuguesas são tão brutas, tão amargas, tão entristecidas, tão amassadas da vida? Alguém ainda não se apercebeu que é por isso que têm de se transformar em camiões, tanques de guerra humanos, frios, que levam tudo à frente e gritam e são agressivas? É precisamente por isso e por mais nada. Tudo bem para o homemzinho, que gosta de mulheres assim. Mas não para os homens.

Não podemos dizer que as mulherzonas não têm culpa de ser mulherzonas. A educarem os seus filhos como homenzinhos, mimados e atrofiados, e a educarem as suas filhas como quem treina cães de caça, não conseguem quebrar o ciclo. Mas a culpa é só indireta, porque se reflete na geração seguinte. Quem pode quebrar o ciclo, na hora, no segundo, são os homens (este parágrafo pressupõe a coisa óbvia que é os homenzinhos não serem capazes de educar ninguém).

Eu acho bem que as mulheres trabalhem, e não é isso que faz delas mulherzonas. O trabalho é só condição da vida. O que faz delas mulherzonas é não terem em casa um homem que seja capaz de lhes dar segurança e proteção. Um homem que sintam que é mais forte, que já sofreu mais que elas, que aguenta mais que elas. Um homem capaz de as abraçar com honra de ser um ser superior, não a ela, mas superior àquilo que já foi, superior à criancinha que era, superior ao homemzinho que era. Não há destes por aí. Não há nas casas, mas também não há na rua, nem nos bares ,nem nas praias, nem nos locais de trabalho (existem alguns locais de trabalho em Portugal, ainda em período experimental).

Já ouviram falar no mito de que as mulheres israelitas são as mais bonitas do mundo? Parece que é mesmo verdade. Não sei se já ouviram falar no mito de que os judeus são uns trabalhadores gananciosos e obsessivos como um raio. Já?


Este post é dedicado ao Roberto, que sabe quem é.

sábado, 20 de setembro de 2008

Elogio ao trabalho

Ontem percebi exatamente porque o trabalho é a essência da civilização. Obviamente que sem trabalho não há casas, nem roupas, nem comida, nem pontes, nem Centros Comerciais. Mas essencialmente não é nisso que estou a pensar.

Estou a pensar em como o trabalho reduz o apetite sexual. Uma verdade absoluta. Ontem quando cheguei a casa, depois de umas semanas de oito horas de trabalho diárias consecutivas, senti que não há apetite que resista. Quer-se descansar. Quer-se dormir. É por isso que toda a boa mãe sabe instintivamente que só um homem trabalhador dá um bom marido. Não é só porque traz comida para casa. É sobretudo porque mais dificilmente será infiel. Não será infiel nas oito horas em que trabalha, nem nas duas que demora a ir para o trabalho e a voltar, nem nas duas reservadas para as refeições, nem nas duas que servem para ir às compras, nem nas outras duas que servem para cuidar da casa, nem nas últimas oito em que tem de dormir. E o melhor de tudo é que não terá vontade de ser.

E tudo encaixa na perfeição a partir daí. Foi este equilíbrio que permitiu que houvesse o casamento. Controlada a sexualidade, o que há de mais triste que chegar a casa depois de um dia de trabalho e estar sozinho? Tudo o que esse homem deseja é ter alguém de quem goste à sua espera. Arranjou-se um modo ideal de garantir isso. Como também não se pode passar demasiado tempo junto, entre duas e quatro horas, quando não se está nem a trabalhar nem a dormir, são o ideal.

E é assim que quanto mais trabalho há, menos sexo há e menos filhos há. É por isso que ter muitos filhos é olhado como algo pouco civilizado. Quem não trabalha tem muito tempo para fazer filhos e para os criar. Quem trabalha já tem trabalho. Há filhos também, mas menos.

Não pensem que me estou a queixar. Há algo de sublime no sofrimento e cansaço que o trabalho provoca. A sensação de que estamos gastos, vazios. Uma sensação que, também com muito trabalho, penso que os religiosos tentam alcançar. Estar estafado de trabalhar é uma experiência religiosa em si mesmo. E quem sofre aprende com a experiência e ecresce. Quem sofre aprende. Trabalhar é aprender a viver, é aprender a sofrer. Como diz o nosso Chico em Tem Mais Samba:

Tem mais samba no homem que trabalha
Tem mais samba no som que vem da rua
Tem mais samba no peito de quem chora
Tem mais samba no pranto de quem vê
Que o bom samba não tem lugar nem hora
O coração de fora
Samba sem querer


Assim é. Porque há coisas que só se fazem bem se se tiver trabalhado, se já se tiver sido desgastado, amassado. As coisas da vida. Como são bonitas duas pessoas sofridas a dançar, duas pessoas sofridas a dormir abraçadas, pessoas que têm sofrimento em si para a libertar cantando, para libertar criando Arte, para se libertarem e tornarem as suas almas numa coisa maior. Uma civilização interior. Para se tornarem grandes. Grandes pessoas humanas.

E o grande problema de Portugal é que as pessoas fazem tudo para evitar o sofrimento. E como não sofrem, não crescem. Como não crescem, continuam a sofrer na mesma, porque não sofrer é impossível, mas sem a recompensa do trabalho, sem a recompensa não só material, da construção, mas sobretudo a recompensa espiritual. A recompensa espiritual de ter expandido a caixinha do sofrimento e, assim, cada tristeza da vida passar a custar menos a suportar, por termos expandido a nossa capacidade de armazenamento.

As pessoas têm o direito a sofrer, mas não sabem. Quem não sofre, trabalhando, amando, fica a perder. Tudo o que faz parte da vida é para ser vivido. Se não se viver na altura certa, viver-se-á mais tarde de outra forma, talvez muito mais desequilibrada. Porque como dizia nas suas lições o Mestre Zen do Tiro com Arco em O Zen e a Arte do Tiro com Arco: Quem procura um princípio fácil, encontrará necessariamente um fim difícil.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Regresso ao futuro

Regressado ao futuro (grande filme) volto oficialmente a postar no presente. O próximo passo será postar a partir do futuro. Não percam, em breve em O Calor É Humano.

Canção para alguém que não sei quem é

Gostava de dedicar esta canção do meu músico favorito de todos os tempos à minha futura namorada, que não sei quem é, mas que andará necessariamente por aí na Terra. Se ela se reconhecer nesta canção, por favor avise.


Eu te amo

Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta agora como hei de partir

Ah, se ao te conhecer
Dei pra sonhar, fiz tantos desvarios
Rompi com o mundo, queimei meus navios
Me diz pra onde é que inda posso ir

Se nós nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir

Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu

Como, se na desordem do armário embutido
Meu paletó enlaça o teu vestido
E o meu sapato inda pisa no teu

Como, se nos amamos feito dois pagãos
Teus seios ainda estão nas minhas mãos
Me explica com que cara eu vou sair

Não, acho que estás te fazendo de tonta
Te dei meus olhos pra tomares conta
Agora conta como hei de partir.


Chico Buarque

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Dar é preciso

O amor não consegue estar parado.
Quem tiver amor para dar, dá-lo-á.
Se não conseguir dá-lo à pessoa que ama, dá-lo-á a outra pessoa.
É demasiado avassalador para estar guardado.
Quem não ama ninguém, nunca tem amor para dar.
Mas quem ama, induz em erro e faz com que o amem, mesmo quando aquele amor era para outro.
É por isso que é tão fácil ter amantes e tão difícil ser correspondido.
É que quando o amor está nos outros, conseguimos vê-lo.
E o amor é cobiçado.

Não devemos tentar guardar o amor.
É uma batalha duplamente perdida.
Se é impossível guardá-lo, quando o damos, ele é-nos dado de volta. Ficaríamos sempre a perder.
Nada é mais democrático que o amor.
Quem recebe volta sempre para dar.

Um dia apareceram umas pessoas que quiseram regular o mercado.
E não se podia dar a toda a gente, passou a ser preciso fazer reserva.
O amor estava contado e registado e até se cobravam taxas.
Foi preciso redistribuir artificialmente o que já estava naturalmente organizado.
Começou-se a quantificar.
E o valor do amor passou a ser medido ao ciúme.

E cobrou-se em vez de se dar.
E emprestou-se em vez de se receber.
E não mais se trocou.

Nunca mais floresceu selvagem aquilo que sempre foi nosso só por existir.
Passou a ser cultivado, destilado e empacotado.
E foi preciso inventar embalagens novas para o que antes andava à solta,
Novos nomes para os produtos complexos.
Novas maneiras de fazer o que sempre se fez.
Teve de se desaprender de como dar para poder comprar.

E é por isso que hoje nem todos têm.
Porque já não se dá, só se guarda.
E há cada vez menos.

Aviso à navegação através do tempo

Por artes que não domino, o meu blogue está desde hoje a funcionar numa brecha temporal e marca, contra a minha vontade, todos os posts como tendo sido feitos Quarta-Feira, dia 17. Pela primeira vez consigo escrever para o passado. Espero que os consigam ler no futuro. 

Ler O Calor É Humano passa a partir de agora a ser uma viagem no tempo.

Escola da vida

Esta noite estava a sonhar mas não sabia. Estava numa sala de aula de escola preparatória muito grande, com as mesas dispostas em quadrado. Via-se pelas janelas que era de madrugada, ainda de noite, como quando íamos para a escola muito cedo. Estava frio e quando falávamos, a nossa respiração via-se no ar. Olhei melhor à minha volta. Iluminados por uma luz que era metade da noite, metade dos candeeiros da sala (estranhamente laranja), estavam na sala colegas meus da universidade, aqueles que gostei mais de conhecer. Na outra ponta da sala estava o Ricardo - o meu melhor amigo, que foi da minha turma do 5º ao 12º ano. Olhámos um para o outro como quem diz esta stôra é mesmo otária sempre a separar-nos para não conversarmos na aula. E aí surge a professora. No início parece-me uma professora igual às outras, mas depois olho bem para ela e é novíssima, apesar de ser mais alta que nós. Mesmo à minha frente está o irmão do Ricardo, que é dois anos mais novo que nós e nunca foi da nossa turma.

A professora começa, um a um, a fazer perguntas a todos os que estão na sala. Todas as perguntas são diferentes e são uma espécie de charada filosófica adaptada a cada um de nós e que põe em causa todas as falhas da nossa personalidade. Aos rebeldes pergunta porque são rebeldes, aos armados em intelectuais arranja uma maneira de expor como na verdade não sabem nada. Que professora espetacular penso eu.

Então olho melhor para ver quem são as outras pessoas que ali estão e descubro que a sala está cheia com todos os meus amigos, todos sentados nas secretárias. Toda a turma eram amigos meus de todas as fases da minha vida. Juntos, na mesma sala. Todos os amigos que se possa imaginar. E ao meu lado está, vestida com uma camisola verde e branca que ela tinha praí no 10º ano, a minha amiga a quem vamos chamar Marta, que foi da minha turma do 7º ano ao 12º e com quem, juntamente com o Ricardo, formávamos na vida real o triâmgulo das pessoas mais especiais da turma. A Marta e o Ricardo foram das pessoas mais importantes para mim durante muito tempo. Mesmo ao lado da Marta, está outra amiga a quem vamos chamar Madalena, que nunca foi da minha turma, mas que é muito minha amiga e que, se hoje é magrinha, já foi gorda. Ali na sala estava gorda outra vez, mas isso não parecia estranho. O que pareceu estranho foi a Marta ter sacado de um cigarro da mala e ter começado a fumar dentro da sala. Até porque ela não fuma. Nesse momento, o irmão do Ricardo - vamos chamar-lhe Rui - sacou também de um cigarro e começou a fumar também, divertido com a irreverência.

A professora viu e o Rui apagou logo o cigarro, mas a Marta não. A Marta continuava a fumar tipo Femme Fatal, a olhar para a stôra. Então a professora disse-nos aos três se querem fumar fumem lá fora, que esta sala é grande e faz muito fumo lá para fora (a resposta não tem lógica nenhuma eu sei, mas isto é um sonho). A Marta percebeu que isto era uma maneira de a mandar para a rua e saiu, com toda a turma a olhar para ela e a dar risinhos com a mão à frente da boca. Eu levantei a mão para ela e demos mais cinco (um hi5, tão a ver?) em sinal de vitória e rimo-nos.

O Ricardo na outra ponta riu-se para nós, levantámo-nos eu e ele, e fomos com ela para a rua.


Acordei de sobressalto com uma felicidade tão enorme e nem sabia bem porquê. Pela primeira vez na vida acordei com o oposto de um pesadelo. Acordar por felicidade. Acordar a rir. Era de madrugada e o primeiro pensamento foi ainda bem que acordei porque vou para a escola ter com os meus amigos. Lembram-se quando ir para a escola, ou para a universidade, era uma excitação por encontrarmos lá as pessoas de quem gostamos? Alguma vez tiveram isso? Então imaginem a sensação de uma escola onde estão todas as pessoas de quem gostamos. Então percebi que já não ando na escola, e que já acabei as aulas na universidade. Nunca mais vou ter a sensação de ir para um sítio que tem centenas de pessoas que não conhecemos mas que podemos conhecer - a sensação de todos os dias encontrar pessoas novas. No mundo do trabalho há meia dúzia de pessoas num escritório e já as conhecemos todas. Então senti uma coisa do género nunca mais vou ver os meus amigos. Só que pensei melhor, e percebi que já não sou colega deles na escola, mas sou agora uma coisa muito maior. Sou amigo deles. Colega deles na vida. Tenho-os sempre que quiser. Não só na escola, nem sequer os nossos pais têm de autorizar para eles virem a nossa casa. Pensei a vida é genial.

Peguei no telemóvel. Tinha uma mensagem. Era da Marta. A pedir-me para a ajudar com um trabalho da universidade. Incrível, isto já era realidade! A última oportunidade que terei de fazer um trabalho para a escola com ela. Disse-lhe que a vou ajudar com todas as forças que tenha.


Nos últimos dias tenho conversado muito com uma certa pessoa que é da opinião que todas as amizades são por interesse. Umas por interesse sexual outras por interesses de carreira, ou económicos. E eu não acho. Mas com este sonho tive a certeza. Não havia qualquer interesse neste sonho.

Este post é dedicado a todos os meus amigos. Adoro-vos.

Sobre a amizade

Ter um amigo é ter alguém que é para nós como um irmão ou irmã, apesar da desvantagem de não sermos filhos dos mesmos pais.

Sobre a arte de dormir e o sonho e a cidade

(ver posts anteriores)

Irónico mas bastante lógico que precisamente por andar a dormir pouco não possa tornar o meu sonho realidade. Se a conhecesse hoje adormecia no colo dela. No primeiro encontro não fica bem.

Sobre a arte de dormir e a esquerda e a direita

(ver posts anteriores)

Todo o tomar de posição tem implicações políticas. Todos sabemos que uma sociedade em que todos dormem 10 horas por dia é insustentável. Mas a esquerda e a direita diriam que é por motivos diferentes. É até por isso que há esquerda e direita.

O elogio do sono poderia ser interpretado pela esquerda como preguiça de um jovem favorecido de direita que não sabe o que custa trabalhar e ao mesmo tempo como um grito por socorro de um trabalhador da classe inferior explorado pelo capitalismo. A direita por seu lado, iria chamar-me preguiçoso relaxado de esquerda que não sabe que a vida custa graças ao qual a economia não cresce, ou podia ver nisto um exemplo de alguém que encontrou uma solução para como viver de forma saudável ou seja, como um dos seus.

Gostar de dormir faz de mim uma pessoa de direita ou de esquerda?
Para já, acho que faz de mim uma pessoa.

Como já disse antes, pessoas de esquerda e de direita a dormir abraçadas chegariam a conclusões bem mais claras.

A arte de dormir

Sabem quando os pais vos contam o quanto vocês eram lindos em bebés? Os meus também contam, mas acrescentam logo a seguir que eu dormia pouco e era muito rabugento e mal disposto. Chega a parecer que a minha família mais chegada tem uma espécie de vingança por saldar com essa criança, tal é a ferocidade com que me criticam no passado, como se essa criança morasse dentro de mim e eu fosse agora a única pessoa que lhe pode dar o ancestral tau-tau que ela merece.

Estranho paradoxo, que com a entrada na adolescência tenha começado a ser conhecido por dormir muito. E também por ser bem disposto e otimista. Nos últimos anos cheguei mesmo a ser apontado como exemplo de pessoa feliz.

Recentemente, comecei a trabalhar mais e tenho podido dormir pouco. Para algumas pessoas isto não será nada de especial, mas eu noto que fico incrivelmente mais mal disposto e chato para as outras pessoas. Sem paciência para ninguém. O meu sentido de humor quase desaparece. E todos sabemos que sentido de humor é sintoma de inteligência.

Será que é a falta de sono na nossa civilização - em que cada um tem de trabalhar no mínimo 8 horas por dia - a causa da má-disposição e pessimismo geral da grande maioria das pessoas? De eleições em que ganham políticos pessimistas? Das discussões familiares constantes? Da insatisfação? Do ódio?

Todos devíamos dormir pelo menos 10 horas por dia abraçados a alguém de quem gostamos. Se toda a gente fizesse isso, o mundo seria um lugar muito mais simpático. Menos evoluído, mas muito mais simpático.

Pena que os países latinos estejam a desaprender a arte da preguiça, a arte do descanso. Era um grande contributo que podíamos dar ao mundo. Naturalmente, o trabalho esmaga a preguiça e está a fazê-la desaparecer. O trabalho é ativo, o descanso é passivo.

Mas talvez esteja na hora de uma nova ofensiva do descanso, essa essência do ser humano. Urge inventar o descanso-ativo.

Países latinos - ao trabalho!

(ou melhor, ao descanso)

terça-feira, 16 de setembro de 2008

O Sonho e a Cidade

Hoje voltei a ver na rua a rapariga mais sensual de Lisboa.

É morena, os cabelos são pretos e lisos, a cara parece uma amêndoa e é elegantíssima. Os olhos parecem duas esferas negras. É sofisticada a vestir e consegue parecer descontraída ao mesmo tempo. Tem um ar destemido e expressões de uma beleza infinita. É daquelas mulheres que só de olhar para elas sabemos que de certeza tem namorado. Provavelmente mais velho que ela uns cinco anos.

Vi-a quatro vezes. A primeira vez foi no DocLisboa. É porventura fácil descobrir quem ela é, porque parecia trabalhar no festival. Foi há dois ou três anos. Voltei a vê-la na Faculdade de Belas Artes de Lisboa, mas não faço ideia se estudou lá. A última vez que a tinha visto estávamos no Comboio. Entrei na Amadora e por acaso sentei-me virado para ela com uns três lugares de distância. Imaginem quando a vi. Ela foi das que não olha à volta e nunca cruzámos o olhar. A quarta vez foi hoje, há duas horas, na Av. Almirante Reis. Estava parado no semáforo vermelho e, como sou dos que olha à volta, vi-a do outro lado da rua.

Linda. Quase a reconheci só pelo andar. Tinha um casaco preto e uma mala, talvez. Calças de ganga.

Sabem quando têm a certeza que um dia vão conhecer determinada pessoa? Tenho a certeza que um dia vou conhecer esta rapariga. E vai ser deliciosa a ironia de descobrir que a sua personalidade é insuportável. Mas o mais importante nem é isso. O giro é imaginar quando será. Daqui a quinze anos numa esplanada em carcavelos vejo uma menina de 5 anos igual a ela, procuro a mãe e lá estará ela, com o marido e os filhos? Ou um dia vejo-a na televisão e descubro que se tornou famosa? Talvez daqui a trinta anos, já com filhos, eu vá a uma festa em casa de um amigo, com casais amigos dele e a encontre lá. Ou até posso bater contra o carro dela. Ou então na próxima semana apresentam-ma no Bairro Alto.

O fantástico é que ninguém sabe o que vai acontecer. Nem mesmo ela.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Sobre ter

(ver post anterior)

Apesar de tudo aquilo de que é feito, não há nada no mundo mais fascinante que as crianças e as mulheres. Os rapazes também, mas de maneira diferente. Para algumas pessoas, as coisas fascinantes são carros, para outros as drogas, para outros a comida, ou a roupa, ou o futebol, ou o dinheiro, o luxo, os bens materiais. Ou o Surf. Têm todo o direito. Mas para mim são as mulheres e as crianças. É refrescante e entusiasma-me e deixa-me sem ar só estar escrever isto. Mulheres. E crianças. Era capaz de ter overdoses de mulheres e crianças e de tudo o que se pode fazer com elas até ao fim da vida sem parar.

A Arte também me faz falta, lembro-me agora. Mas amar a Arte, amar as mulheres, amar as crianças - é tudo amar a mesma coisa - a humanidade e a vida.

Amar é o verdadeiro ato religioso. Amar o divino. O mundo é o divino.

Ter

Quanto melhor e mais maravilhosa é a vida que tenho, quanto mais ela me faz feliz e me enche, mais a morte custa. Pensava que não ia ser assim. Pensava que me ia sentir realizado e isso ia trazer tranquilidade. Mas é precisamente por isso que custa perder isto tudo. É que o mundo é tão lindo. Repleto de beleza em todos os cantos. O Sol na manhã, os cabelos ao vento, o cheiro de Lisboa ao Domingo. As crianças. As mulheres.

Será que isso, inconscientemente, faz com que muitas pessoas não lutem mais por aquilo que, muitas vezes nem chegam a ter consciência, querem? Será isso que faz com que algumas pessoas tentem gostar o menos possível de viver?

Por medo desse derradeiro momento? Para sentirem o menos possível de perda? 

Para quem gosta de viver, talvez se torne assim claro que a maneira certa de viver é tentar que o último suspiro seja o mais aterrador possível pela quantidade de coisas que perdemos. É que, logo logo a seguir, já cá não estamos.

E quanto mais se perder com a nossa partida, mais ela será sentida por quem ainda pode sentir. O Amor é realmente um ato de masoquismo. Fazer com que nos amem é fazer com que sofram por nós. Mas não se pode ter um sem o outro. Só se morre se se tiver vivido.

domingo, 14 de setembro de 2008

Coisa boa #3

Acordar tão cedo que ainda é muito de noite quando saímos de casa, sem ser preciso fazer nada a pressa, de modo a vermos as pessoas todas a sair das suas casas, podermos ver o nascer do Sol enquanto caminhamos para o nosso destino. Podermos beber café durante montes de tempo antes das obrigações começarem. Tudo isto num grande silêncio.


Acordar cedo.

N'O livro das coisas boas

Era uma vez, na Cinemateca

Há pouco tempo ia no carro e começa na rádio uma rubrica sobre Cinema. A certa altura, já não me lembro sobre que filme da semana, o crítico da estação diz que o filme tem bons planos de realização. Logo depois de evitar o desastre de automóvel que ia tendo, retomo a marcha e fico a perguntar-me porque se sabe tão pouco sobre Cinema em Portugal.

Como a resposta a isto do ponto de vista histórico ocuparia demasiado tempo para poucos frutos - o passado já passou, não podemos mudá-lo - prefiro contar uma história que exemplifica bem porque em Portugal se continua a saber tão pouco sobre Cinema.

Há uns meses atrás fui à Cinemateca ver o La Règle du Jeu do Jean Renoir.
Chego, e em vez do vazio que esperava, encontro uma multidão à porta, um corredor cheio, filas para os bilhetes quase até à sala. Fiquei feliz e pensei o Jean Renoir tem o respeito que merece. Num clima de festa à minha volta, espero a minha vez para comprar o bilhete. Há muita alegria no ar, muitos casais, muitos grupos - vejo mulheres com vestidos bonitos de sair à noite acompanhadas por rapazes precocemente grisalhos com cortes de cabelo espetaculares e com casacos de intlecuais e penso Uau, ver Renoir toronou-se uma coisa sexy, está na moda, as miúdas querem namorar os rapazes que vêem Renoir, é fantástico. 

No meio de uma multidão entro para a sala e continua a chegar mais gente, e mais gente, e alguma coisa me começou a cheirar a esturro. Começo a reparar em caras conhecidas, atores. Atores na cinemateca? Mau sinal. Começo a ver pessoas do meio do cinema português. Uma multidão e parecia que todas as pessoas na sala se conheciam menos eu. O Clube de fãs do Renoir? Não. Afundo-me no assento e é aí que entra em palco alguém que vem entrevistar o senhor realizador... o senhor realizador? Mas ...

Afinal nem todos tinham vindo aprender com o Renoir. Na primeira parte ia passar a curta-metragem portuguesa: Corações Plásticos de Sérgio Brás d'Almeida. Meu deus, que honra, abrir para o Renoir pensei. Fiquei desapontado, mas pronto, não tinham vindo só pelo Renoir, paciência, realmente fazia sentido que o cinema que fala das nossas vidas contemporâneas atraisse mais as pessoas.

Com a Sala Grande tão cheia que ficaram pessoas no chão, veio o senhor realizador e disse "pois, eu não sabia o que fazer quando acabei o curso de cinema, então disseram-me que haviam umas pessoas a ganhar subsídios e que eu devia mandar qualquer coisa para o ICAM e eu mandei e pronto, ganhei o subsídio e foi assim que fiz a minha segunda curta". Valente salva de palmas. Tá fácil pensei eu.

Começou o filme. Contava a história de três casais que estão presos no trânsito numa espécie de futuro ou passado (não se percebe bem) pós-apocalítico fascista em Portugal. Simultâneamente nos três carros, os casais começam a falar de revolução e há sempre um que é revolucionário e um que é conservador. Os atores estão maus, mas para aquela sala são estrelas. A cada linha de diálogo a sala parte-se em risos.

O melhor ator do filme é o apresentador de concursos José Carlos Malato, numa aparição brilhante. A pior de longe é Mónica Calle, diva do teatro português, que parece estar numa tripe de ácidos dramáticos. Quando cada um dos revolucionários dos casais decide sair do carro para fazer alguma coisa (ao mesmo tempo), as portas dos três carros estão trancadas e os casais olham-se como se soubessem que vão morrer. Aí, surgem fora do carro dois homens com uma t-shirt do Rato Mickey e uma caçadeira na mão e matam-nos um a um. A última sobrevivente é Mónica Calle, que sai do carro e salta nos braços de um deles, abraça-o e beija-o e faz com ele sexo no capô do carro. Tudo isto com planos elaboradíssimos, câmaras a rodopiar, efeitos de pós-produção trabalhosos, coisas em animação, coisas caras portanto. No final, os dois assassinos dizem uma piada qualquer sem piada de que não me lembro e o filme acaba. Ouve-se uma enorme salva de palmas. Dir-se-ia que ia entrar na sala alguém com a Palma de Ouro.

E é então que se abate sobre a sala a debandada. Homossexuais histéricos e mulheres com cabelo de top model (brancas com afros, por exemplo) que estavam sentados à minha volta correm para a saída. Os atores correm para a saída. A multidão corre para a saída. Ficaram doze pessoas na sala. Eu contei.

As pessoas mundanas eu ainda percebo, mas nem o Sérgio Brás d'Almeida que devia ter alguma noção das coisas ficou, para aprender. Ele até podia já ter visto o Lá Règle du Jeu dez vezes (obviamente não tinha, porque se tivesse não tinha feito este seu filme), mas só por ele estar a ser exibido já tinha a obrigação de ficar, por respeito, quanto mais quando tinha sido o seu filme a abrir... para o Renoir! Abrir para o Renoir acontece uma vez na vida. Em vez disso, ele deve ter ido para o Bairro Alto celebrar a sua conquista. Não sabia é que estava a celebrar a sua derrota. Pois foi aí, quando a sala já estava em paz, que começou um dos melhores filmes alguma vez feitos.

sábado, 13 de setembro de 2008

Bairrismo pós-moderno

Hoje fui jantar a um restaurante Chinês na Av. Almirante Reis. Especialidades de Hong-Kong. Conclui que os restaurantes chineses de Massamá são melhores.

Um mundo que nos permite dizer o restaurante chinês do meu bairro é melhor que o do teu, esse sim, é pós-moderno.

O mundo real

Hoje vi uma mulher a arrumar carros. Foi a primeira vez. Foi quase tão inesperado quanto a canção que naquele momento começou a tocar na rádio - Strokes e Eddie Vedder juntos a cantar Mercy Mercy Me do Marvin Gaye. Parecia um episódio da Twillight Zone. Mas não era.

O Mistério dos Olhares

Porque é que no comboio só eu é que olho para as outras pessoas e mais ninguém olha para ninguém? Porque é que, esteja o comboio vazio ou cheio, estão todos a olhar para o infinito ou para o chão e nem sequer para a janela, para a paisagem... ou para mim? Porque é que o meu olhar não se cruza com o de ninguém? Em que está toda a gente tão concentrada?

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Três coisas que fazem as raparigas menos bonitas

Queria falar deste assunto, mas não sabia como. Primeiro, porque digo menos bonitas já que, claro, dificilmente uma rapariga fica feia. Na verdade, isto é só um desabafo... é só que não aguento mais ir à rua e ver estas modas a propagarem-se. Sinto que há que fazer alguma coisa, para bem do mundo. Mas depois penso quem sou eu para opinar? Talvez não devesse dizer nada. Mas talvez seja por ninguém dizer nada que haja demasiadas pessoas que parecem não ter ninguém para lhes dar bons conselhos, não sei. Foi por isso que resolvi falar. Mesmo que ninguém mude, pelo menos ficam a saber que há rapazes que pensam assim.

Senhoras. Não é assim tão fixe:

* Fumar. Porque é sujo e o cheiro na pele, na roupa e na boca é insuportável. Porque tira saúde. Porque pele de fumadora repele.

* Por pinturas na cara (excepto preto) e nas pestanas. Porque é desagradável quando damos um beijo na cara de uma pessoa e trazemos de volta um decalque simétrico da sua cara na nossa.

* Usar fio dental. Porque além de ficarem a parecer coristas de circo, aquilo simplesmente não é bonito nem harmonioso. Especialmente à mostra no cimo das calças.

Isto são bons conselhos, a sério.

Mais uma pedra

(a quinta)


Rock Bottom Riser


I love my mother
I love my father
I love my sisters, too.
I bought this guitar
To pledge my love
To pledge my love to you.

I am a rock bottom riser
And I owe it all to you
I am a rock bottom riser
And I owe it all to you

I saw a gold ring
At the bottom of the river
Glinting at my foolish heart
So my foolish heart
Had to go diving
Diving, diving, diving
Into the murk

And from the bottom of the river
I looked up for the sun
Which had shattered in the water
And pieces were rained down
Like gold rings
That passed through my hands
As I thrashed and I grabbed
I started rising, rising, rising

I left my mother
I left my father
I left my sisters, too
I left them standing on the banks
And they pulled me out
Of this mighty, mighty, mighty river

I am a rock bottom riser
And I owe it all to you
I am a rock bottom riser
And I owe it all to you

I love my mother
I love my father
I love my sisters, too.
I bought this guitar
To pledge my love
To pledge my love to you


de Bill Callahan

Sou um bocadinho assim. Como não comprei a viola, vou fazendo blogues.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Arrogância e humildade

Às vezes queremos combater a arrogância, mas por não sermos humildes a fazê-lo, somos ainda mais arrogantes.

O dia de hoje

O dia de hoje faz-nos a todos pensar no aniversário dos tristes ataques terroristas à minha terra favorita a seguir a Massamá.

Mas para mim é uma data feliz. Porque traz consigo uma outra comemoração, mais antiga. O aniversário de uma das minhas melhores amigas. Hoje, mesmo que ela não queira, não consigo não olhar para ela como uma irmã. A rapariga que, talvez já não se lembre mas, no dia em que nos tornámos amigos, não me chamava pelo nome e se despediu de mim à sua janela com "adeus rapaz simpático".

Hoje vai ser um dia muito feliz e memorável, como foram todos os 11 de Setembro, em cada um dos quais, todos os meus amigos estiveram reunidos numa certa linda casa, com um lindo quintal, numa linda praceta, ano após ano. E assim vai continuar. Hoje.

A arte da subtileza

Estão na moda as T-Shirts a dizer Multiple Orgasm Donner, Female Body Inspector ou até Playboy (com aqueles dois bonequinhos de semáfero e espreitarem entre as pernas uns dos outros). Mais do que serem uma catástrofe por não terem piada, falta-lhes inteligência e graciosidade.

Há uns meses atrás, estava eu a almoçar no Osaka, o restaurante japonês de Massamá (ao almoço é mais barato), quando entra um casal em que o rapaz tem escrito no peito FBI - Female Body Inspector. Fiquei em choque ao ver que havia pessoas tão desesperadas ao ponto de namorarem com um rapaz que use uma veste daquelas. Mas depois puz-me a pensar e faz perfeito sentido.

É óbvio que a namorada do rapaz que tem uma T-Shirt em que insinua que vai para a cama com muitas mulheres, só o deixa usar aquela roupa como uma mãe deixa um filho usar uma T-Shirt do Dragon Ball. Porque sabe que justamente ele não vai para a cama com muitas mulheres. Pelo contrário. Em primeiro lugar porque basta usar uma T-Shirt daquelas para isso não acontecer. Em segundo, porque mesmo que ele fosse para a cama com muitas mulheres, é óbvio que a última coisa que ia fazer era escrever isso numa T-Shirt e usá-la em frente à namorada. Ninguém é tão estúpido assim, nem mesmo estes gajos.

Assim, o que aquelas T-Shirts dizem é exatamente o contrário daquilo que está escrito.


O que estes rapazes não sabem, é que, se fosse esse o seu objectivo, a arte de viver seria ter muitas namoradas e ninguém saber. Dar orgasmos múltiplos e não falar disso. E continuar a dá-los, sem dizer uma única palavra sobre isso a ninguém.

Se se usa uma T-Shirt dessas como se fosse uma faixa de campeão, é porque para essa pessoa, ser um playboy é um feito extraordinário. Ora para quem é playboy, isso não é um feito extraordinário. Quem é Playboy, é playboy. Para eles é natural.

Para o Mourinho é natural ganhar a Liga dos Campeões. No dia em que ele usasse uma T-Shirt a dizê-lo era porque tinha deixado de ser.

É só a sensação que me dá.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Mais uma pedra

(a quarta)

Pedra roliça não cria bolor
.

Ditado popular.


Parece ser impossível escapar à Vida. Seja pela mão sublime do Homem seja através da conquista pelos doces musgos. Os resultados é que são diferentes.

A astúcia ou a ingenuidade?

O que atrai mais? Astúcia ou ingenuidade?

Sobre a solidez, a solidão e a Arte

Será que a Arte para ser grande não pode ser demasiado inteligente, se sendo, a maioria das pessoas não a percebe?

Será que não pode ser demasiado perfeita, como as pessoas sem defeitos, por quem não nos conseguimos apaixonar?

terça-feira, 9 de setembro de 2008

A propósito da solidez e solidão vem-me à cabeça a frase do Almada Negreiros

"Um povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem portugueses, só vos faltam as qualidades"


Portugal, um povo para ser amado.
(talvez um bom slogan turístico)

Sobre a solidez e a solidão

Ser perfeito é um luxo. Podemos escolher o defeito que queremos ter, na medida em que é fundamental ter um. Talvez por segurança mais do que um, para ter uns de reserva.

Talvez quem seja mesmo perfeito escolha o defeito de gostar de estar sozinho.

Solidez e Solidão

Ser sólido é ser só. Quem não tem falhas não tem dependências. Quem não tem dependâncias fica sozinho.

A origem das palavras ensina-nos tudo o que precisamos saber para viver.

Fazer grande Arte é um gesto pacifista

Toda a Arte aproxima e afasta.

Aproxima entre si os que gostam dela e afasta os que não gostam.

Mas a grande Arte é justa.

A grande música junta as pessoas em recintos enormes. Os grandes filmes unem pessoas de todo o mundo num só sentimento. Os grandes quadros enchem o peito de milhões de pessoas com uma visão do mundo. Os grandes livros fazem-nos crescer unidos a todos os que os leram. As grandes obras de arquitetura fazem-nos viajar quilómetros para estarmos unidos a elas e a todos os que já as viram.

Ninguém pode ser inimigo de outra pessoa se ambos gostarem de António Variações.
Ninguém pode dizer que não gosta de alguém com quem consiga ter uma conversa profunda sobre o Van Gogh.
Ninguém pode continuar a discutir com outra pessoa se ambos gostarem do Tarantino e o Pulp Fiction estiver a dar na televisão.
Ninguém se zanga dentro de uma casa do Frank Lloyd Wright, a não ser que esteja lá contrariado.
Ninguém anda a porrada com outro se tiverem os dois na mão o Catcher in the Rye do Salinger.

Mesmo que, na pior das hipóteses, só as elites tenham acesso à cultura, estarão de mãos dadas, e enquanto o povo tiver uma cultura popular, estará também. E é aí que aquela grande Arte popular, tão popular que agora se chama só Pop, vem salvar o mundo.

Ao som de uma canção igual, todos dançam diferentes e a grande Arte aproxima os povos.

Quantas pessoas a menos se teriam apaixonado se não existisse o Chico Buarque?

Lusofonia I

Onde ser português é ser a larva, ser lusófono é ser a borboleta.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Histórias do Verão I

Três rapazes viajam num carro e três raparigas noutro. Estamos na auto-estrada. Somos amigos e regressamos de viagem. Assim distribuídos nos carros pelas óbvias conjunturas da vida.

Elas vão à frente, dizem que sabem um caminho melhor para chegar onde queremos chegar. Sente-se a ânsia da liderança.

A paisagem linda, verde e azul, continua a mudar. Passa uma hora assim.

A certa altura, Bruno (vamos continuar a chamar-lhe assim) diz-me "acelera aí, bora mandar-lhes beijinhos pela janela". Acelerámos, felizes.

Imediatamente, pressentindo a perda da liderança, o carro feminino arranca estrada fora numa fuga inesperada. Com o coração romântico surpreendido, acelero mais, mas elas fazem o mesmo. E a cada metro que ganho elas ganham também. Picanço. Começa a ficar perigoso.

Abrando.

Não houve beijinhos para ninguém.


As raparigas estão a ir rápido de mais. Ou os rapazes estão mais lentos. O amor está mais difícil.

Dedicado ao Bruno (não se chama assim, mas ele sabe quem é).

O que eu sei acerca da verdade

Que a verdade é neutra como uma pedra.

Que chegar à sabedoria absoluta é ser capaz de compreender como todas as coisas co-existem (como a esquerda e a direita).

Que se é mais sábio quanto mais coisas conhecemos, mas sobretudo quando conseguimos compará-las e compreender todas no conjunto umas com as outras, compreendendo que há razão (razões) em todas as partes.

Que compreender é perceber o equilíbrio.

Que a verdade é esse equilíbrio.

E que ninguém tem toda a razão. O todo tem toda a razão.

A Av. Almirante Reis parece o Fallout

Passo lá diariamente agora e, ou eu sou um Nazi por dizer isto, ou então é mesmo o Fallout que é o melhor jogo de computador de sempre.

PS: Não mostro aqui porque há coisas que não se fotografam. Especialmente se nos roubam a câmara a seguir.

domingo, 7 de setembro de 2008

Uma entrevista a um homem estátua

Ligo a televisão na Sic Notícias e testemunho, em direto (acordo ortográfico) da rua, o mais fabuloso jornalismo de vanguarda.

Como é difícil continuar a ser um homem estátua quando se está a ser entrevistado.

É este o paradoxo do cinema documental. A destruição do objeto (acordo ortográfico). Uma coisa é certa, não é assim que se chega à Verdade. Assim faz-se parte dela sem se saber.

Sem medo da auto-crítica

Manuela Fereira Leite disse hoje que Há desilusão onde deveria haver esperança.

Uma canção sobre a salvação do mundo (o amor entre a esquerda e a direita)

(ver posts anteriores)

Conto de Fadas de Sintra a Lisboa

Ele era um cavalheiro
Todo ele transpirava elegância
Ela era gata borralheira
Tivera que limpar a sua infância

Ele velejava no verão
E esquiava no inverno
Ela trabalhava ao balcão
De um qualquer estabelecimento moderno

Ele gostava de reluzir em si
O estilo da capital
Ela já não conseguia distinguir as cores
Da bandeira nacional

Ele tinha entre os seus títulos
Uma futura ordem do infante
Ela achava o levantar do dedo mindinho
Algo deselegante

Mas ele um dia curvou-se a seus pés

E ela passou a ocupar o tempo
A descobrir o que era a cultura
E ele confinou-se aos seus aposentos
E descobriu a costura

Ela quis vir a entender o universo
E começou a ler Platão
E ele resolveu perceber o que era a justiça
Em frente à televisão

A ele de nada lhe valeu a aparência
Nem a casa no largo do rato
Porque ela sabia que era Cinderela
E enganou-o com um sapato

Ele que um dia fora príncipe
Agora rendia-se à evidência
Com mulheres que calçam o quarenta
É melhor revelar prudência

Hoje ele ainda beija os seus pés.

Os Pontos Negros, uma banda com um nome genial, numa canção que, quase como mais nenhuma hoje em Portugal, fala dos dias de hoje e da vida e, logo, está mais perto da Verdade. É ainda só ter lido o título e já pensar "mas isto sou eu!".

Três vivas a Queluz.
Uma salva de palmas ao Jónatas, Lipe, Silas e David.

sábado, 6 de setembro de 2008

A propósito do futebol e da salvação do mundo

(ver posts anteriores)

Apesar de tudo, o futebol acaba por ser um campo que propicia uma estranha interação entre a direita e a esquerda. Interessante que isto aconteça apenas numa área em que a formação de grupos obedece a regras ilógicas ou próximas da teoria do caos. Afinal o futebol tem qualidades. Lá está, não podem haver bandeiras, nada é absoluto. Ou tudo é.

Três vivas à ilógica.

Mais uma pedra

(a terceira)

O primeiro comentário que recebi aqui, da minha maravilhosa amiga que sabe quem é, que merece ascender a post:

A educação pela pedra

Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, frequentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta;
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.

Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra; lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.


por João Cabral de Melo Neto

Odeio futebol

É verdade. Raramente me apanham a falar no assunto.

A exceção (acordo ortográfico?) aberta hoje deve-se a ter descoberto que este ódio que me veio do berço (o meu pai não cuidava de mim recém-nascido porque estava a ver o Mundial de 86) talvez me tenha sido ainda mais proveitoso que pensava.

Ajudou-me, decerto, a ter mais tempo para coisas enriquecedoras. Mas mais, ajudou-me a perceber que uma das coisas que nos empobrece mais, nos corta ao meio e formata, são os clubes e as bandeiras da vida. Talvez por nunca ter treinado esse músculo do seguidismo, eu veja coisas boas na esquerda e na direita, nos religiosos e nos ateus.

Graças à indiferença desportiva, consegui perceber que grandes são o Cristiano Ronaldo, ou o Mourinho (o meu único verdadeiro ídolo no futebol) e não as camisolas coloridas com emblemas com passarinhos, seres mitológicos ou animais da selva.

Assim, a melhor equipa é a composta pelos melhores de cada uma. É que há qualidades em todos os lados.

Mas é aqui que me apercebo: formada a super equipa, não haveria ninguém à altura de a defrontar.

E então surge-se-me a solução da questão: além do sentimento de pertença, o ser humano precisa é do confronto.

A excelência interessa a poucos. Falta-lhe paixão. É por isso que quando vemos o Mourinho ou o Cristiano dá a sensação que eles não são bem humanos.

Quem dera houvesse políticos e artistas assim em Portugal.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

O tal calor humano

Há mulheres cujo calor me faz sentir um chá.

Coisa boa #2

Descobrir que a roupa que a minha mãe encontrou na arrecadação ou no armário, que era do meu pai quando ele tinha a minha idade e que fora cozida pelo meu avô e avó da parte da mãe, me servem, e depois olhar para o meu irmão mais novo e ver que ele está a usar roupa que, antes de ser dele, já foi minha.

A Família.

N'O livro das coisas boas

A propósito do amor entre a esquerda e a direita

Os opostos atraem-se, já sabemos. Ontem apercebi-me até que ponto. A maioria das pessoas reais que conheço estão apaixonadas por pessoas que não existem.

A solução para a salvação do mundo

É um lugar comum dizer que as pessoas de direita precisam de amor. Mas é verdade. A maioria das pessoas de direita que conheço estão carentes. Por outro lado, as pessoas de esquerda têm demasiado e ilógico amor para dar e não sabem o que fazer com ele. A salvação do mundo é que as pessoas de esquerda façam amor com as pessoas de direita.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

O triunfo da amizade

Um conselho para os homens do século XXI. Uma das coisas mais maravilhosas da vida é ter uma grande amizade com as raparigas por quem já estivemos apaixonados. Se elas forem amigas entre si, melhor ainda. É deliciosamente incrível viver as coisas da vida com elas, diariamente, como amigo.

É o mais próximo de um harém que é possível ter sem todas as coisas más de um harém.

Isto não é um comentário machista. É um comentário de amor, de alguém que ama umas quantas pessoas que conheceu ao longo da vida e não se quer desfazer delas. Os homens e as mulheres tem o dever de proteger e oferecer amor a quem amam. A amizade não é isso? É só o que faço. Na sociedade que tenta controlar os impulsos sexuais poligâmicos, para destruir o amor livre ainda há muito por fazer.

E fazer isto é ser um Homem. Chega de homenzinhos (elogio das mães e avós portuguesas aos filhos, com que alguns homenzinhos ficam satisfeitos).

Este post é uma homenagem às mulheres, que são os seres mais extraordinários da terra.

Coisa boa #1

Molhar os pés na água salgada do mar na praia da Costa da Caparica no fim de uma tarde no fim de Setembro, quando as pessoas já não vão à praia mas ainda é Verão por isso tenho a praia só para mim, com as gaivotas com os seus cânticos, os pescadores e o seu peixe como companhia.

A Praia.

N'O Livro das Coisas Boas

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Mais uma pedra

A tragédia da nossa época é que toda a gente diz a verdade. Quão melhor seria se todos mentissem e as pedras dissessem a verdade.

Disse Søren Kierkegaard.
Agradecimentos ao Tiago Guillul.

Sobre a temática das pedras

O meu nome é pedro e as pedras dizem-me muito.

O casamento

Esta semana, pela primeira vez na minha vida, um amigo meu vai casar. Vamos chamar-lhe Sebastião. Tem 26 anos (mas não parece. Sorri como quem não tem mais de 24).

Trago este tema à conversa com os meus dois melhores amigos, que não o conhecem. Vamos chamar-lhes Bruno e Ricardo. Nascemos os três em 1986 e até Dezembro teremos os três 22 anos. Conhecemo-nos há 15.

Digo-lhes que ainda não consigo acreditar que o Sebastião se vá casar. Não porque ache mal (acho lindo), mas porque é tão corajoso. Mas eles acham bastante normal. O Ricardo reconhece que quando encontrar a pessoa certa, também deseja casar-se e ter filhos. Foi assim que na família dele sempre se assumiu uma relação. Mas o Bruno não. Sim, ele quer ter filhos, pelo menos imagina-se a imaginar isso, mas não a casar, sob circunstância alguma.

E é aí que o Bruno nos conta que se lembra do dia em que, na pré-primária - com 5 anos - o Ricardo que hoje defende o casamento lhe disse, no pátio enquanto brincavam, com toda a força das certezas puras "nunca me vou casar" e do choque que aquela revelação nele provocou e que o marcou para toda a vida, como se até aí não soubesse que isso era possível. Esta memória é talvez hoje o alicerce para a falta de sentido que Bruno vê em casar.

Mas a questão que se põe é: qual dos dois Ricardos sabe mais? O de 5 anos, livre de convenções sociais, ou o de 22, conformado com a educação que teve?

Para mim, casou e cansou ainda são palavras demasiado parecidas. Em casa estão tanto uns quanto os outros e eu gosto é de andar na rua.

Dar-vos uma pedra


Dá-me algo mais que silêncio ou doçura
Algo que tenhas e não saibas
Não quero dádivas raras
Dá-me uma pedra

Não fiques imóvel fitando-me
como se quisesses dizer
que há muitas coisas mudas
ocultas no que se diz

Dá-me algo lento e fino
como uma faca nas costas
E se nada tens para dar-me
dá-me tudo o que te falta!


Original de Carlos Edmundo de Ory, na versão portuguesa de Herberto Hélder