quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Palavras

É impressão minha ou a palavra asceta é muito pomposa para um asceta?

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Amar é gostar de não receber só porque é aquela pessoa

Um dia ela disse-me que só se sentia segura no amor quando ele adivinhava tudo o que ela sentia.

E aí, jesus, o amor era deslumbrante. Aí o amor era uma corrida dos dois amantes pela cidade (onde se passavam a sentir e a portar como se estivessem no seu quarto - uma cidade conquistada à força da paixão) e uma corrida pelo quarto (que se tornava a sua cidade, cheio de lugares novos para descobrir).

Mas quando ele não adivinhava o que ela estava a sentir, ela sentia-se muito insegura.

Quando ela ficava triste e ele não adivinhava o gesto simples e concreto que tinha de fazer para a deixar feliz ela naturalmente ficava triste, como se esse fosse o seu estado natural sem ele. Porque quando ele não a adivinhava era como se não estivesse com ela. Ela só o sentia quando ele a adivinhava. Como uma flor para ser regada - e as flores não se regam sozinhas - ela sabia que o trabalho do amante era adivinhar como regá-la. E ela estava certa.

Esse é o bom amante. O amante que é como a chuva - porque a quer ter cuidada e só para si e não uma flor selvagem, que bebe a sua água aqui e ali e até da terra que outros pisaram.

Ele queria que ela só bebesse da sua água, só que não sabia ser como a chuva.

Mas os maus amantes são, ainda assim, amantes.
Os amantes não conseguem ser felizes um sem o outro. Mas por estarem infelizes não são menos amantes. Não conseguir também é amar. Sim. O trabalho um do outro é regarem-se mutuamente, se querem ser um sistema único. Só que o mau amante é aquele que não adivinha tudo, mas que, ainda assim, tenta.

O mau amante é mais difícil de amar. Mas não se ama menos. É só mais difícil. Mas o mau amante não está sozinho no seu mal amar, se não não tinha o nome que tem.

E como se sofre por amar um mau amante!

É um amor sofrido, desgastante, ensopado de outras regas.

Sim, ela sabia que ela própria também não adivinhava tudo o que ele sentia. E sabia até que isso não era por o amar pouco. Mas isso não a impedia de ficar insegura quando ele não a adivinhava. Ela queria era sentir-se amada, o resto não interessava. A reciprocidade do mal amar nunca foi reconfortante.

Ele dizia à beira do choro Mas explica-me, o que posso fazer para te fazer feliz? Mas o pobre não sabia que a única coisa que tinha a fazer era justamente não perguntar e adivinhar. Pois o que tinha de ser feito não podia ser dito. Há coisas que não se podem dizer assim. Se se dissessem morriam, como se o silêncio fosse o seu oxigénio.

Uma coisa eles sabiam. Só estavam felizes quando o outro estava feliz.

Passou muito tempo. Infelizes juntos, amavam. E eles batalharam, batalharam por se amarem melhor. Mas seria mentira dizer que passaram a conseguir adivinhar tudo o que o outro pensava.

Não conseguiram e houve um dia que desistiram.

Nesse dia, ao contrário do que esperavam, o amor não se foi embora.

O amor ficou e batalhava, batalhava sozinho contra eles, para se manter vivo. Eles bem o tentaram matar, como se mata um bebé porque nos faz perder o juízo e não nos permite descontrair. Tentaram afogá-lo em lágrimas. Ou gritar-lhe até ele ficar surdo - como se talvez aí desistisse de os chatear - mas ele continou lá, a berrar, a dizer Eu estou vivo.

Decidiram aceitá-lo. Não havia nada a fazer. Não se mata o que é imortal. Acolheram-no e afastaram-se um do outro. Mas claro que a distância não matou o que está em todo o lado.

Passou tempo. Aproximaram-se.

Houve mais um dia em que, como tantos outros, ela estava triste. Como em tantos outros, ele não percebeu. E foi igual a todos os outros. Tão igual, tão igual, que só aí ela viu o que nunca tinha visto. Numa tristeza igual à primeira tisteza de todas.

E da soma de duas coisas iguais nasceu uma diferente.

O amor.

Desta vez, ela lembrou-se da priemira vez em que ele não a percebeu. O tempo tinha passado. Lembrou-se daquela vez que se sentiu tão sozinha e de como ele tentou tanto tanto, sem nunca conseguir percebê-la.

E o quanto ela o amou quando se lembrou do jeito dele de não a perceber! Aquela cara de indiferença dele, ali, igual a sempre, e agora ela só sentia o amor. Aquela cara de alheamento dele, como quem não está nem ali, como quem nem a vê, como quem está sozinho, sendo ele próprio e ela so via amor. Amor. Amor.

Passou a conseguir ser feliz também quando ele, apesar de a amar, não a compreendia. Foi assim. Até lhe pareceu que foi de um momento para o outro (mesmo que não tenha sido).

E foi assim que passou pela primeira vez, não a amar, mas a amar outra pessoa e não a si mesma.

Deixou de amar como uma flor e passou a amar como uma árvore. Sentiu algo maior que ela, pela primeira vez. Algo que não era só o que ela tinha previsto antes, o que ela tinha pensado antes, o que ela já sabia que queria. Não. Algo novo. Percebeu como tinha sido burra. Percebeu como isso não tinha mal agora que já não era.

Ela estava a amar alguém diferente dela, alguém que não correspondia ao seu perfil traçado como objectivo, racionalmente naquele caderno de quando tinha dezassete anos. Pela primeira vez, ela amou alguém por essa pessoa ser quem era e não por se encaixar na lista de itens que ela tinha traçado para o amor da sua vida.

O amor deixou de ser um objectivo e passou a ser um estado.

Nesse momento ela percebeu que o amor é avassalador e é amor porque destói todas as nossas listas de adjectivos idealizadas, porque ao trazer o que é novo, desconhecido e imprevisto traz consigo a vida.

A vida deliciosa, imprevista, nova. E foi assim que ela se passou a conhecer melhor. A saber quem era porque amou algo que não conhecia. Algo que ainda não sabia.

Nesse dia, ela saiu pela primeira vez do egoismo. E gostou.

domingo, 28 de dezembro de 2008

A beleza

Ela toca-me todas as noites.

Antes de dormirmos, abraça-se-me à alma ensinando-me a ser eu.

Ela, a Mulher.

Uma mulher tão perfeita que qualquer coisa que lhe chame é um elogio à palavra que se uso. Não tenho como elogiá-la, e é por isso que lhe ofereço poemas. Poemas dos maiores mestres, já que os meus já são todos dela. Já que não a posso elogiar, ao menos elogio os poetas que há tanto tempo queria mas não podia por não ter como. Com ela consigo. Até isso ela me deu. Uma poesia maior.

Fico sempre em silêncio quando estamos juntos. O maior de todos os presentes, o presente silencioso. Porque o meu silêncio mais o silêncio dela tudo preenche.

Uma pessoa tão linda assim deve comover-se quando se olha ao espelho. Talvez não se consiga pentear sem se etenecer um pouco. Talvez seja por isso que muitas mulheres bonitas se tornam frias e insensíveis. Têm de ser assim, para não chorarem ou se beijarem no espelho todas as manhãs.

Mas não esta mulher e é por isso que se mantém linda. Ela não sabe que o é. Eu ter vindo ao mundo tem como única função explicar-lhe.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Os tempos estão a mudar

Às vezes os nossos pais e avós falam-nos do seu tempo e nós ouvimos. Às vezes lemos em livros como se vivia noutros tempos e até julgamos que conseguimos imaginar, mas não conseguimos, como a fábrica onde o meu avô foi operário há sessenta anos atrás, junto ao rio Tejo, onde trabalhavam mais de mil pessoas, num edifício enorme do qual hoje só resta um descampado. 

O mundo muda muito mais do que podemos imaginar. Mas é tão bonito imaginar que aconteceu tudo no mesmo mundo. Foi no mesmo mundo que houve o Império Romano e que foi filmado o The Marix. Foi no mesmo mundo que os portugueses juntaram que hoje todos lêem sobre isso nos seus Macintoshes. A Apple dos computadores é a mesma da Bíblia. A Inquisição houve no mesmo planeta do Jack Kerouac e da civilização Maia. Hoje estamos vivos porque desde há milhões de anos até hoje os nossos antepassados foram tendo filhos, e mais filhos, até que os filhos somos nós, que por nossa vez também teremos filhos e continuaremos o ciclo. Não há nenhum Ser Humano que não seja descendente de pré-históricos, nem nenhuma pessoa do futuro que não seja nossa descendente. E todas estas pessoas tiveram vidas incríveis e cheias de coisas que nunca conheceremos ou que nunca sentiremos como eles as sentiram.

Hoje foi anunciado o fim de um dos objectos fundamentais da minha infância. Um que as minhas mãos manusearam e que conhecem de cor, do qual conhecem todos os truques, texturas e pesos. Do qual conheço o cheiro. Sem o qual a minha vida teria sido completamente diferente. Com o buliço dos tempos, as pessoas não olham para trás. Um dia vamos ficar muito admirados de termos oitenta anos (se lá chegarmos). Hoje morreu um objecto fundamental da minha infância e um dia todos ficarão muito admirados sequer de ele ter existido. E essas pessoas não serão nem melhores nem piores que nós, nem os seus tempos serão piores ou melhores que o nosso, serão só outras elas e diferentes os tempos. Pessoas que um dia dirão Lembras-te do VHS? 

Nesse dia não saberão dizer, mas foi hoje que morreu.

Proponho a alguém que perceba do assunto editar um livro chamado O Grande Livro dos Objectos Desaparecidos. Eu comprava. Será um sucesso, garanto-vos.

Vários passos aleatórios para a felicidade

- Dar todos os dias pelo menos um abraço forte a todas as pessoas de quem gostamos.

- Percebermos que cada pessoa tem direito a ser como é e que podemos tentar mudá-la, mas não podemos não gostar dessa pessoa por ela se recusar a mudar. Nem toda a gente pode ser como nós.

- Perceber que cada minuto da nossa vida é sagrado e que devemos honrá-lo como tal, apreciando-o e celebrando a sua existência.

- Percebermos que a maior parte das vezes só alimentamos os nossos problemas porque não os resolvemos de uma vez por todas e que pensar neles não serve de nada, só resolvê-los. Pensar neles é agravá-los.

domingo, 21 de dezembro de 2008

O meu sonho

Os amigos deviam todos trabalhar juntos.

Criar empresas.

E famílias.


Então a vida seria boa. Só quem ou nunca trabalhou ou nunca teve amigos é que não percebe como isto é verdade. É que não há qualquer interesse em a vida ser de outra maneira. Tenho saudades das pessoas de quem gosto.

Se admitíssemos de uma vez por todas que a liberdade não existe e que temos todos de trabalhar, para toda a vida, talvez começássemos a pensar a sério em soluções para as nossas vidas. Em vez disso, para não pensarmos no problema, dizemos Ah, a liberdade, tão bonita, continuamos a sonhar com ela e, quando der por mim, já não tenho amigos.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Sobre experimentar

Os artistas andam aí todos sem pudor a dizer que fazem experiências, como se todas as experiências não implicassem uma cobaia, e ser uma cobaia não implicasse sofrimento.

É por isso que as experiências se fazem em privadas salinhas escuras e não em grandes salas públicas. Sob o risco de criarmos grandes salas escuras.

Não se deve sorrir quando se diz que se faz uma experiência. Porque é que os cientistas não riem às gargalhadas? Porque não é por acaso que o cientista louco é o vilão de tantas histórias. Devem fazer-se experiências, mas sempre com vergonha. Fazer experiências sem vergonha é feio.

Em busca da expressão toda

Por favor não me ofereças enigmas. A verdade já é um enigma. Complicar mais o que se tentasses que fosse simples seria ainda assim complicado, o que pode ser se não arrogância? Tentemos antes usar as palavras certas e não as erradas para podermos rir da verdade e não da mentira.

A ousadia de complicar. É brincar com o fogo por se achar que se está a brincar com o fogo quando realmente não se está. Isso é que queima, pois é pela ignorância que se passa a estar. Quem se diverte ao pensar que está a arriscar queimar-se quando não está, queima-se de certeza. Tentar que os outros não percebam bem, ser misterioso só pode ser discordar da Vida. Criar enigmas é mórbido. Sermos todos loucos não é motivo para enlouquecer mais mas para tentar ser são. O facto de sermos mortais também não é motivo para nos matarmos, mas para vivermos.

Quem cria enigmas e procura complicar o mundo é talvez porque só saiba mover-se na ignorância. Eu não quero que compliquem, por favor, porque eu não sei. Quero a cada dia que passa tentar perceber um pouquinho mais, a cada dia que passa estar mais próximo de mim por estar mais próximo dos outros. Quero falar, ouvir, perceber e ser percebido. Quero comunicar. Palavras cheias como um pão ainda por rasgar. Não façam tudo em migalhas, por favor. Vejam o todo e não as partes. É tão simples, tão simples, que até parece não ser nada.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

O amor dela

Um dia, uma grande amiga chorou-me o ombro. As suas lágrimas fertilizaram no meu corpo uma ideia e ainda hoje estão em mim as marcas da água dos olhos dela.

Ela chorava todo o amor que deu a quem não lho deu de volta. Ela chorava toda a bondade que sofreu e que não lhe foi retribuida. Ela chorava ser tão boa num mundo de tão maus.

Então eu disse-lhe o que, num sermão, me disse António Vieira e que por sua vez lhe foi dito a ele pela Bíblia e que um dia também ela dirá a alguém.

Jesus amava os homens. Jesus amava os homens e os homens não sabiam que ele os amava e Jesus não os amava menos por isso. Jesus amou, amou os homens e sofreu, sofreu por eles. E nunca quis que se soubesse do seu amor nem que o seu amor fosse pago. Então era masoquista foram as palavras dela. Não. Jesus não queria que o seu amor fosse pago porque quando algo está pago, acaba a transação. Vai-se embora e é o fim da obrigação. Jesus nunca quis que o seu amor fosse pago para que o seu amor fosse eterno. Jesus nunca trocou ou vendeu o amor, só deu. E a forma mais nobre de amar é, como se diz, dando amor. E dando-o porque dá-lo nos faz feliz. E não por esperarmos outra coisa em troca. O único amor é o que é dado, para sempre. Sem o pedir de volta.

E numa luz que se fez na cara dela e num sorriso que sorriu ela compreendeu. Soube (dentro dela) que a ideia de negócio só lhe tinha sido ensinada pelo capitalismo e que não era real. Deixou de chorar por não mais sentir culpa nem vergonha de amar sem ser retribuida e partiu, feliz. E naquele momento, parado na rua a vê-la partir, via-a tornar-se mais nela própria.

No início daquela noite, ela mostrara-me o seu casaco novo de inverno, lindo, que fazia dela uma sensualíssima mulher, pondo o longo capuz do casaco sobre a cabeça e dizendo Faz-me parecer uma monge.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Sobre a descoberta de hoje

A descoberta de hoje é do campo da paixão.

Apesar de muito intensa, não é ainda do campo do amor eterno de há anos como este manifesto a toda a beleza do mundo em forma de puro pedaço de paraíso em som e imagem, apesar dos pontos de contacto.

Post-Scriptum: E depois disto, ainda há hoje quem, em resposta a este post, me venha privadamente argumentar que fio-dental é que é... Ainda bem que há gostos diferentes.

Post-Scriptum parte II: Há até quem me critique por usar camisolas de alças brancas (são os mesmos).

Descoberta de hoje

É possível estar perdidamente apaixonado por esta canção e vídeo e não ser homossexual.

sábado, 6 de dezembro de 2008

O meu amor

O meu amor é como a mão, que sente quando toca.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Vamos petiscar

Começou hoje em Lisboa o Super Bock em Stock. Pela primeira vez em Portugal, um festival de grande dimensão baseia-se no novíssimo e inovador conceito de, durante dois dias, ter cinco salas com concertos sem parar e em simultâneo, com o espectador a pagar um bilhete único e a ter a grande vantagem proporcionada pela organização, de poder ver (cito) Quatro ou cinco canções de cada banda e ir rodando por todos os palcos.

Ora isto é de facto uma grande vantagem se os concertos forem maus. Pela primeira vez, a organização de um evento tem a visão (e tiro-lhes sinceramente o chapéu por terem percebido o público contemporâneo) de perceber que o mundo de hoje em dia se baseia em provar. Provar daqui, provar dali, dizer Mnham, este David Fonseca é ótimo, vamos embora, hummm, este Rui Reininho também é engraçado, vamos embora, haaa, que porreiros estes Pontos Negros, chau.

Basicamente agora vai-se a concertos como se ouvem mp3 em casa. Não se ouve nada a sério. Vai-se ouvindo. Conhece-se umas músicas. É a geração do Olha esta canção tão gira mas não tenho paciência para as outras. Este estilo de festival premia, portanto, as bandas de duas ou três canções boas. Espero sinceramente que na edição do próximo ano em vez de no cartaz virem apenas as horas a que cada banda toca em simultâneo, venha também a hora a que tocam a sua melhor canção, ou o single, e que isso seja concertado de forma a que nunca seja à mesma hora, sempre a horas diferentes, para que dê para o espectador apanhar todos os singles ou melhores canções de todas, já que não dá para ver mais que isso.

Mas este festival não é só isto. É muito bom porque se a pessoa estiver a gostar pode ficar, se não estiver pode ir-se embora. GENIAL! Então agora posso pagar para ir a concertos maus e tenho a vantagem de me ir embora?! Espetacular.

Sejamos sérios. Claro que este conceito de festival é para pessoas que não gostam de todas as bandas que lá estão, ou gostam mais de umas e menos de outras e só irão aos concertos daquelas de que gostam. Então para quê pagar por bandas que não se vai ver porque não se gosta?? Ou que não se gosta realmente? E 40 euros? É que um bilhete para uma banda da qual se gosta realmente custa 25, 30 euros (está bem, se for brasileiro sabe-se lá porquê custa sempre 50)

Acho que estamos a chegar ao cerne da questão. As pessoas que se identificam com este conceito de festival não gostam das bandas. Gostam é de saltitar. É que quando eu gosto de uma banda, gosto de ver o seu espetáculo de uma ponta à outra e de berrar e chorar baba e ranho por mais. Gosto de berrar por um encore, gosto de não ouvir mais nada nesse dia e ir para casa a cantar, quando chego pôr todos os discos a tocar em cadeia e ficar o próximo mês a sonhar com aquela noite mágica.

Imaginemos um festival com concertos em simultâneo do Leonard Cohen, do Jeff Buckley (eu sei que infelizmente já não é vivo, é só um exemplo já que todos os artistas que admiramos morrerão um dia), do Bob Dylan, do Chico Buarque, do Caetano Veloso e do Morrissey. Isto passa pela cabeça de alguém? Poderia passar, são tudo artistas tãaaaao diferentes! Pelo menos o Dylan, o Caetano e o Morrissey são. Porque não pô-los todos ao mesmo tempo? Sabem porquê? Porque são todos mesmo bons.

Está bem, digam-me que, além de os gostos variarem, há espaço na vida para concertos muito bons e para concertos só bons, ou médios. Concertos muito sérios e concertos just for fun (excepcionalmente uso uma expressão em inglês porque identifico o tipo de pessoas que a usam com a superficialidade que ela contém). Mas porque há de ser assim? Porque é que eu hei de ir a um conerto assim assim? É que os artistas que adoramos vão todos morrer um dia, como o Jeff Buckley... Podem estar a morrer agora, enquanto eu estou a esrever este post... E o dinheiro não é infinito, nem o tempo (que é dinheiro), por isso não dá para irmos a todos! Para quê ir a concertos medianos só por ir? Só para ver quatro ou cinco canções?

Eu sei porque é. É porque vivemos numa cultura em que as pessoas não têm paciência nem se esforçam para nada que lhes dê prazer, em que o que é um bocadinho difícil de gostar, não é gostável, em que o que implica dedicação, esforço (como ficar 6 horas a ver concertos maus para guardar um lugar à frente para ver o Bob Dylan a quinze metros de nós e com os nossos próprios olhos, não em ecrãs (só um à parte - qualquer dia fazem-se festivais de verão em que são actores a fazer de músicos e põe-se a passar um DVD dos músicos ao vivo no ecrã gigante e ninguém nota a diferença)) não vale a pena, em que não se cultiva um gosto artístico, uma cultura em que as pessoas não gostam realmente de nada nem de ninguém porquê dá trabalhoooo.

Como no sexo. Vivemos numa cultura de rapidinhas. De quecas fernéticas de mudar de um para outro parceiro para experimentar, experimentar, experimentar sabe-se lá o quê, talvez a estupidez de quem vive assim, ou talvez experimentar a vida. E porquê experimentar a vida? Porque não vivê-la? Eu pessoalmente - assumo, é uma questão de gosto como na música, admito - não gosto de rapidinhas. Gosto de disfrutar, de saborear, gosto de me apaixonar por uma pessoa com quem me estou a partilhar (sim, a mim!), gosto de degostar do acto de conhecer a pessoa - delicadamente, lentamente, com tempo, sem pressas - gosto de a saborear, gosto de a ter sempre ao meu lado e chorar quando não está. Não gosto de experimentar - voltando à expressão inicial, de provar, nem de deitar fora. Especialmente porque deitar uma coisa fora gera lixo e o lixo é o grande problema do Séc. XXI.

E como sou no sexo sou na Arte. Quando eu gosto de uma coisa, eu gosto dela arrebatadoramente, loucamente, incondicionalmente, até ao limite de mim próprio. Gosto de comprar todos os DVDs, todos os livros, todos os discos (eu ainda compro discos pessoal dos mp3 que quando o computador se avaria e ficam sem toda a sua música para ouvir nem dão conta porque não gostam realmente de música!), ver todas as exposições, etc. Como quando gosto de uma mulher gosto mesmo dela.

Podem ainda dizer-me Mas pode-se gostar muito de umas coisas e menos de outras, comer muito de umas e só provar de outras. Sim, pode-se. Mas qual é o interesse? Qual é o interesse se se pode estar sempre a comer coisas espectaculares? Qual é o interesse de comer uma fatia de uma pizza do Pizza Hut se se pode comer uma do melhor restaurante italiano de Lisboa? É que neste caso o preço não é assim tão diferente. 40 euros é muito dinheiro para petiscar, é o que eu vos digo.

Para terminar, este festival faz outra coisa espectacular. Como está tudo a acontecer ao mesmo tempo, cada crítico também só ouve Quatro ou cinco canções. Assim, todos os concertos podem ter sido uma merda, que a organização e o artista podem sempre afirmar Ahh, que pena, só ouviste a pior parte do concerto. Antevê-se, portanto, um sucesso na crítica.

Esta é a primeira edição de um festival que vai continuar entre nós por muitos e longos anos.

Valores à lá carte

Ir à Difusora Bíblica comprar uma Bíblia e ela ser-me dada num saco da Casa dos Doces Hansel e Gretel do Centro Comercial Colombo.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Os objectos

No dia em que concorri ao sorteio do Green Card, os objectos sobre os quais apoiei a máquina fotográfica com a qual tirei um auto-retrato para enviar para os Estados Unidos da América foram:
A antologia bilingue de poemas do Leonard Cohen, uma compilação de Tanka dos séculos IX ao XI e outra de Haiku, um livro de entrvistas ao Billy Wilder, uma caixa de chocolates que há anos atrás pertencia a uma amiga, a Poesia Toda do Herberto Hélder, a edição em livro do argumento do Manhattan do Woody Allen, uma caixa que roubei do meu antigo emprego porque precisava para arrumar os meus papéis, a Bíblia, uma caixinha cheia de tesouros do outro lado do Atlântico que me foram dados pela mais bela pirata da história, O Culto do Chá de Wenceslau de Moraes, o Medo de Existir do José Gil e um livro de cartoons que o meu pai me deu.
Foi um acaso. Estes objectos, empilhados na vertical sobre a minha secretária, fazem a altura exata que precisava para me fotografar num bom enquadramento.
Se daqui a dezenas de anos toda a minha vida tiver mudado graças a este sorteio, estes objetos estavam aqui comigo. Eles estavam aqui. Estão na fotografia. Estão comigo porque os li. São estas coisas que fazem uma pessoa.
Espero que me dêem sorte.