sábado, 24 de janeiro de 2009

A alma da pátria

Portugal, este país-pergunta. Este país-mistério. Este país que nenhum de nós compreende e que é tão fascinante. O país que criou o Brasil (!), o país minúsculo que rebentou na Ibéria e nasceu à força de querer existir. Um país que ninguém sabe o que está a fazer. Um país que cada vez mais parece só Alma. Cada vez mais pobres, cada vez mais humildes (humildade é virtude). Um país que não é só o seu povo, nem só as suas elites, um país que é uma ideia incrível.

Um país mistério que ninguém sabe para onde vai. E a porta desse país, a porta da Europa para a vastidão do mundo, tem agora devolvida a si a sua proa, o Cais das Colunas. Mas as indecisões quanto ao futuro do Terreiro do Paço são o símbolo da indecisão do que fazer a este país que o contém.

Há muita gente que acha que se devia tornar o Terreiro do Paço numa espécie de grande esplanada à espanhola. Consagrariamos assim definitivamente a boémia nacional e assumiríamos que somos uma nação de foliões. Podia ser bom. Há também quem ache que talvez se devesse tirar de lá os ministérios e fazer, quem sabe, uns hotéis para ingleses, umas lojas caras, à fracesa, dando assim sentido ao nome Praça do Comércio. Poderíamos assumir assim melhor a nossa humildade e carácter servil, e ser criados dos ricos. Porque quem leu o que disse Jesus sabe que a pobreza é uma virtude. Há ainda, quem sabe, outras opções, como fazer dele, por exemplo, um jardim, num estilo mais ecologista tipo norte da Europa.

Eu não sei, mas acho que não. Acho que devíamos simplesmente limpá-lo, tirar lá os carros a passar à volta, conferir-lhe a dignidade do silêncio, e deixá-lo como está, consagrando-o definitivamente como um símbolo da alma de portugal. Um relicário da nossa identidade. E deixá-lo em repouso, no mais próximo que se conseguisse de torná-lo um Templo. Sempre iluminado à noite como tem estado, de frente para o mundo, um país que é uma porta aberta para o oceano. Com aquele relógio no meio de anjos, a contar o tique-taque do nosso futuro.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Excerto de uma carta a uma pessoa muito especial


Pois é -------, sinto ter dentro de mim uma estrela que brilha cada vez mais forte e mais pesada (mas de um peso bom) e que me faz forte (fortíssimo) para enfrentar tudo na vida. Acho que se chama felicidade.

O sentido da vida

Procurar a dignidade a cada momento.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

A cura para o ateísmo

A tal falta de provas de que Deus existe é a mesma falta de provas de que Deus não existe.

A única coisa que podemos provar é que não sabemos.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Ano novo com amigos velhos

O primeiro chá do ano foi tomado com os meus amigos.

Os amigos e amigas verdadeiros. Os que o quiseram tomar comigo.

A um ano completamente novo. É mentira que não seja nada de especial o que aí vem. É o futuro. A possibilidade de fazermos da vida de todos o que formos capazes.

No entanto, cheguei a pensar que 2009 seria nunca mais voltar a dormir. Depois de o novo ano chegar exactamente no mesmo lugar onde tinha chegado 2008, 365 dias antes, fomos repousar.

Dei por mim sozinho, numa cama de casal, num quarto antigo, com uma humidade antiga (da Serra de Sintra que é a nossa casa), onde antes dormiam os bisavós da minha querida amiga.

Sozinho. Eu, que acredito tão pouco em dormir sozinho.

Dormir só é divino se estivermos com alguém. Se não é só utilitário. E isso é feio. Dormir abraçado, dormir aninhado, dormir aconchegado, dormir amado, dormir partilhado. Cheios do calor que é humano. Isto é que é digno. Partilharmos juntos a inevitabilidade de sermos humanos e mortais. O respirar. A pele. Impossível sozinho.

Por isso não dormi.

Eu nunca tive insónias. Adormeço mal chego à cama, vou para a cama quando tenho sono. Durmo e é bom. Dormir é maravilhoso.

Mas ali estava eu, só comigo. Só numa cama desconhecida, num ano desconhecido. Os meus amigos dormiam nos quartos à volta e ouvia-os respirar e era bom senti-los nisso. Os amigos e amigas a mudarem de posição na cama. As camas a estalarem de serem antigas e eu com 365 dias em que pensar.

Este ano fomos menos que no ano anterior. Muitos amigas e amigos nossos estavam noutras casas, noutras festas, noutros lugares, com outras pessoas. Pessoas de quem, quero acreditar, não gostam mais do que gostam de nós. Mas o capitalismo destrói tudo.


Como o aquecedor que o meu patrão tem em casa. Quando todos os outros aquecedores do mundo falharam com ele, avariados por este desolador Inverno, o aquecedor do quarto de adolescente dele, com mais de vinte anos, resistiu. É ainda hoje esse que o aquece. Todos os outros eram mais recentes. Ainda há quem ache que o que é novo é bom só por ser novo?

No capitalismo, é preciso vender. Logo, as vendas não podem parar. Não basta o ritmo da vida humano, das pessoas - vender um aquecedor, um computador, um sofá, uma caneca de chá por pessoa que dure para toda a sua vida, e até para os filhos, netos, bisnetos. Não. Ao capitalismo o ritmo humano não chega.

As vendas não podem parar. Por isso é preciso vender muito mais que um. Como as pessoas não são estúpidas, a única forma de nos obrigar a fazê-lo foi pôr prazos de validade às coisas. Tudo é construído para se estragar. Primeiro estragava ao fim de dez anos. Depois cinco. Agora dois. Espero estar enganado, mas ainda vamos ver aquecedores descartáveis de uma utilização. Um aparelhinho que se activa, aquece a sala e depois se deita fora. Um dia tudo vai ser consumível e, por isso, além de gerar lixo, será etéreo.

Quando tudo é etéreo, o tempo perde o seu valor. E sem o tempo, nada se pode construir. Quando somos apenas uns repositores de produtos, sentimentos, sensações, não temos nada para pôr em cima do que estava antes. Se temos constantemente de repor o básico nunca chegamos ao que vem depois. Ao grandioso. À vida humana.

Porque se não percebemos o tempo, também não percebemos que vamos morrer. E que antes de morrer temos de viver aquilo que queremos realmente viver, e não outras coisas. E que para viver essas coisas, é preciso tempo, para as construir.

É por vivermos numa sociedade sem tempo que é cada vez mais difícil fazer amigos. E mais difícil ainda, encontrar o amor de uma pessoa. (no amor, fazer e manter são sinónimos).

O amor - seja por um aquecedor, por um amigo ou por uma mulher - precisa de tempo. Nesta sociedade em que tudo é substituível, onde há gente que muda de casa de dois em dois anos (não sei como isto é possível - chamam-me materialista por ser apegado aos objectos importantes, mas materialismo é é ser capaz de mudar de casa e de carro e gostar), há gente que por eles, imagino que se pudessem, mudavam até de Mãe e de Pai todos os meses. Como mudam de mulher. E de amigos.

Com o consumo e os horários de trabalho, o capitalismo tirou-nos a capacidade de perceber que a vida é uma unidade única e contínua e não se divide em dias, como pensamos.

É assim que o capitalismo nos escraviza. Porque nos impede de construir coisas. De dar um passo hoje. Outro amanhã. Outro depois. E continuar assim durante vinte anos - o período áureo de cada pessoa - sem parar e, quem sabe, tornar-se um grande guitarrista, escrever um livro, ou fazer um filme. Isso é que é ser livre. Mas não. Hoje a vida é no máximo escrever num blogue. Compartimentando tudo em dias, em pequenas unidades, para que possam ser consumidas em pequenas doses, pois o corpo já não aguenta mais que uns dois ou três parágrafos. Os livros só ainda não são vendidos em fascículos com um capítulo cada porque no capitalismo as pessoas não são cultas e por isso não compram livros.


E é por isso que há pessoas que passam a Passagem de Ano com pessoas que não são os seus amigos. Que mal conhecem. E com quem nem gostam muito de estar. Mas toda a gente está solteira. E com o capitalismo é preciso aproveitar cada tempo livre, cada feriado, cada meia hora, para engatar. É preciso engatar gajas. É preciso engatar sem fim para se poder dormir acompanhado. Eu escolhi dormir sozinho, mas estar com os meus amigos nas doze badaladas. Com os meus amigos e amigas e com mais ninguém. Com nenhum desconhecido (havia o namorado de uma das minhas melhores amigas mas namorados são família).


E é pelos mesmos motivos que toda a gente está também tão empenhada em destruir o Natal. É bom destruir a Passagem de Ano, mas aos destruidores, dar cabo do Natal dá ainda mais prazer.

Nos dias que o antecederam, cada vez que liguei a rádio, havia alguém a destruir o Natal. Primeiro foi um jovem cozinheiro, a quem perguntaram, risonhos, aqueles que ainda acreditam Então e receitas para a consoada? Ao que o senhor responde, nervoso Ahh, eu não gosto do Natal, acho uma época muito hipócrita, desagradável, para mim são as mesmas receitas do resto do ano. Este cozinheiro não sabe certamente que a função mais digna do seu ofício da comida é ser elemento de união das pessoas em família, e que, ao contrário do que ele pensa porque certamente está sozinho, isto é mais importante que os prazeres egocêntricos de comer um delicioso rosbife.

No dia seguinte, foi o José Luis Peixoto, a quem pediram Então e umas canções de Natal, o que é que nos trazes? (talvez por saberem que no fundo as pessoas boas gostam do Natal, os locutores de rádio apelam todos ao espírito, mesmo que não sejam pessoas boas. E isso é bom e faz-lhes bem) ao que o escritor responde Ahh, eu gosto sempre de desconstruir o Natal e por isso trouxe aqui umas músicas diferentes, umas coisas africanas. Desconstruir o Natal? Mas o Natal precisa é de ser construído. O Natal é uma construção tão bonita, de que serve desmanchá-la? Desconstruí-la?

Um dia em que pelo menos em metade do mundo as pessoas apanham aviões, atravessam oceanos ou longos quilómetros de carro ou até só o centro da cidade, seja o que for, para estarem todas reunidas em família, numa lógica completamente anti-produtiva no sentido capitalista da expressão, apenas guiados pelo seu amor e vontade de estarem com a sua família, de volta à sua tribo, as pessoas que são sangue do seu sangue, não é um acontecimento espectacularmente bonito e original? Eu acho que é.

Dão-se prendas. Mais bonito ainda. Só vê nisto capitalismo quem é pobre de espírito (literalmente).

Fui à Livraria Bertrand comprar um livro para oferecer à minha adorada avó. Fui dos primeiros clientes do dia 24 de Dezembro. Estava lá às Nove e Trinta da manhã. Entro na estimada loja e a primeira coisa que oiço são os empregados a comentarem com o segurança, zangados O Natal é o pior dia do ano! enquanto arrastavam ao pontapé caixotes de livros. Fui à Fnac. Na caixa, estou a pagar e despeço-me da senhora da caixa com um sorridente Então feliz Natal, felicidades ao que me responde O Natal? Tomara que passe..

Os desconstruidores do Natal estão a ter um tal sucesso na sua empreitada, que conheço até pessoas que este ano não fizeram árvore de Natal. Adivinhe-se, foi para não gastar dinheiro em electricidade. Outros, por motivos ecológicos. Mas o capitalismo já pôs as pessoas todas doidas?

As pessoas que conspiram contra o Natal são as que não percebem que é o dia mais original do ano inteiro, em que tudo é mais diferente, em que as regras se invertem e na véspera do qual, ironicamente, é mais divertido trabalhar caso se trabalhe numa loja. No ano passado trabalhei numa perfumaria dia 24, aquilo é que foi diversão. O triplo dos funcionários na loja, todos em galhofa, como se estivessem perante uma guerra sem vítimas e por isso divertida. Uma multidão de pessoas, uma confusão anárquica de compras e de coisas a serem feitas. Os enfeites de Natal. Clientes fantásticos que há vários anos que só compram perfume naquele dia do ano. Mas sobre perfumes falo noutro dia.


Para mim, a Passagem do Ano é como um Natal para os amigos. Mas os amigos dignos desse nome, os verdadeiros, os de sempre, a família não-biológica. É por isso que não compreendo como podem as pessoas preferir passar o ano com conhecidos com quem podem estar todo o resto do ano. Seja a ver fogos de artifício, seja a fazer sexo, seja bêbados ou a dançar. Só pode ser com amigos. Passar o ano a conhecer pessoas novas é um desastre. É o único dia em que não se fazem novos amigos.

É, sim, o dia em que os amigos se juntam todos e pensam - por gestos e não por palavras - no que significa a vida que viveram juntos. Que partilharam todos estes anos. Que é de todos mas é uma só, porque sem um amigo não havia o outro.

Podem fazer-se viagens para o estrangeiro noutras férias. No Natal está-se com as pessoas com quem se deve estar (goste-se delas ou não se goste, o dever é tentar que a família funcione) e na Passagem de Ano está-se com as pessoas de quem se gosta. A não ser que não se tenha família e não se goste de ninguém.


Foi nisto que pensei quando estava ali na cama, com os meus amigos a dormirem à minha volta, naquela casa de pedra antiga.

Pensei que com a família e o patrão, são a maior riqueza que eu tenho.

Feliz ano novo para todos.

E profundamente obrigado aos meus quatro leitores por visitarem este blogue.