domingo, 29 de julho de 2012

Quando se toca o que nunca se tinha tocado

Quando conhecemos pela primeira vez uma pessoa pela qual ficamos enamorados, da qual nada conhecemos das fundações secretas interiores que a fazem ser como é - de cujo o desconhecimento vem a emoção de milagre de vermos ser real alguém que não compreendemos como é possível existir - parece-me que não é, ao contrário do que muitos pensam, o nosso futuro conhecimento dessas fundações que, ao revelar o que antes era mistério, destrói o nosso amor. Sinto que é antes a nossa incorrecta acção e influência sobre essas mesmas fundações, que pela convivência com as nossas, transformam a outra pessoa em alguém mais parecido consoco, justamente essa pessoa de quem, ao estarmos com alguém completamente diferente de nós, queríamos fugir.

Qual das vezes será a última?

De repente passaram três meses.

Vamos pela primeira vez a um lugar e saímos de lá a pensar que o temos para sempre. Mas na nossa vida quantas vezes lá voltaremos? Quinze. Trezentas. Duas. Nunca?

E de todas essas vezes será um lugar diferente.

Ontem ouvi uma vida inteira ser cantada ao mesmo tempo. Uma voz que numa polifonia transcendente nos fez ouvir no mesmo instante, num só fado, os setenta anos de fados que foram cantados antes por aquela mesma garganta, e que a filtraram e trabalharam a caminho de um fado absoluto. Setenta anos de vida que só assim, no derradeiro fado, poderá ser cantada por inteiro. Num fado que é simultâneamente o último e o primeiro.

E de repente, a senhora tão velhinha que cantava não se lembrava da letra. Desde que aprendera aquela canção ao vinte e cinco anos até ontem, nunca se tinha esquecido. Talvez só assim se possa verdadeiramente cantar. Algo na voz dela cantava como se aquela vez fosse - não a primeira vez, nem a última - mas a única.

Voltamos. Será que voltamos?

De repente passaram setenta anos.